A Revolução Cor de Açafrão, baseada na filosofia da não-violência, conseguiu que a atenção do mundo se voltasse para Myanmar, a antiga Birmânia, um enclave budista de 46 milhões de habitantes às margens da Baía de Bengala no Oceano Índico, Indochina. Durou muito pouco, forçada que foi a ceder sob a violência brutal do regime ditatorial da Junta Militar chefiada pelo General de Exército Than Shwe, que parece ter aprendido a lição e desta feita ao que se sabe matou menos de 200 monges e ativistas políticos, ao invés dos 3 mil assassinatos que seu antecessor, o também general NeWin, promoveu dezoito anos atrás na Revolução dos Quatro Oitos (porque ocorreu em 8/8/88).  Rebelando-se contra o aumento de 500% no preço dos combustíveis decretado pelo governo em agosto último e que na prática inviabiliza o transporte público para a maioria miserável do povo birmanês, os monges budistas começaram a marchar pelas ruas de Rangun e Napydaw, as duas principais cidades do país. Inicialmente pediram a revogação do decreto e depois exigiram o retorno da democracia, perdida primeiro há 45 anos com o golpe militar e depois em 1990 quando a LND (Liga Nacional para a Democracia) venceu as eleições com 58% dos votos, mas não levou devido à dissolução do Parlamento e à prisão de sua líder Aung San Sun Kyi, prêmio Nobel da Paz de 1991.
O budismo, uma forma de compreender a vida mais do que uma religião mesmo porque não adora a Deus algum, tem no país cerca de 500 mil monges e monjas sem uma só arma, o mesmo efetivo que o dos militares e policiais birmaneses, a cuja disposição está uma autêntica máquina de guerra, com mais de 850 blindados, aviões de combate, barcos de patrulha, helicópteros. Apesar da tremenda diferença de capacidade bélica, as duas grandes forças políticas por vezes se equivalem. Não há um só birmanês que não tenha sido monge em alguma fase de sua existência e as famílias costumam enviar seus filhos de 5 ou 6 anos aos mosteiros em busca de uma educação considerada de melhor qualidade que a pública, também gratuita e acessível a todos. A esmola não é uma ofensa e sim uma forma de conceder uma graça a quem as dá. Por isso, o gesto de recusá-las se provenientes dos militares teve um profundo impacto por equivaler à excomunhão. A menor oferenda é um punhado de arroz colocado na tigela e quando estas foram emborcadas para simbolizar a recusa (na verdade os militares costumam dar grandes contribuições e os jornais anunciam com freqüência a construção de novos templos ou verbas para o ensino) a perseguição se intensificou com o esvaziamento dos pagodes conseqüente à fuga ou à prisão em massa dos monges. Alguns dos famosos templos dourados foram fechados com os religiosos dentro e o resultado é que os mantos açafrão desapareceram das ruas e vielas das cidades.
Myanmar não é pobre, embora seu povo o seja. Os altos lucros proporcionados pelas duas principais riquezas – as pedras preciosas e o ópio – passam pelas mãos dos militares e dos contrabandistas. Um bloqueio efetivo ao comércio externo desses produtos poderia assustar a ditadura. Mesmo com a forte diminuição dos campos plantados com papoula e com o fim da importação de ópio imposto desde 2003 pelos EUA, o país ainda é o segundo maior produtor mundial de heroína e morfina (o 1º é o Afeganistão) que escoam pelas fronteiras com a China e Tailândia abastecendo aos 16 milhões de consumidores espalhados pelo mundo. Fonte privilegiada de safiras, pérolas e jade, são os rubis que alcançam qualidade inigualável por sua pureza e cor em Myanmar de onde provém 90% da produção mundial.  O presidente da Associação Tailandesa de Negociantes de Gemas e Jóias, Pornchai Chuechomlada, disse que “as pessoas não estão contentes com o que está acontecendo, mas não as vejo furiosas o bastante para parar de comprar rubis. Se eles (a Junta) matarem muita gente como fizeram em 88 podemos considerar um banimento de seus produtos”.
Há solução para a velha Birmânia? O enviado da ONU, Ibrahim Gambari, teve de esperar quatro dias para ser recebido durante uma hora pelo general Than Shwe e saiu sabendo que a repressão vai continuar, mas obteve a promessa de diálogo com Sun Kyi e a LND. O brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, relator da ONU para Myanmar, acha que o governo não vai ceder, mas as conversações com a pacífica oposição de Sun Kyi constituem uma esperança de futura abertura do regime. Dos quatro cenários possíveis para o desfecho da Revolução de Açafrão, três não se concretizaram: a repressão brutal, a vitória dos manifestantes e o sacrifício do chefe, Tan Shwe, para melhorar a imagem internacional do país. Restou “o mais do mesmo”, com a rebelião contida, críticas externas toleradas e um simulacro de conversações políticas. Uma vez que a ONU não tem qualquer influência em Myanmar, o mundo deveria concentrar sua pressão sobre a China e a Índia, exigindo que chamem a atenção dos militares, pois são os únicos que são ouvidos. Outra hipótese – até aqui improvável – é a implosão da Junta, um triunvirato no qual Than Shwe (74 anos) receia o ambicioso general Maung Aye (69 anos) e este inveja o jovem tenente-general Soe Win (59 anos). Espera-se que os sofrimentos dos povos de Ruanda e de Darfur não se repitam em Myanmar, mas é lamentável a incapacidade para a ação da comunidade internacional, que a tudo assiste apenas e debilmente reclamando.