Ultimamente o México não tem tido sossego, assolado que foi por dois atos de desespero político. Primeiro pela irracional teimosia de AMLO, o Andrés Manuel López Obrador, candidato oposicionista nas eleições presidenciais de setembro, que ao constatar que perdera por míseros 244 mil votos(num universo de 40,6 milhões de sufrágios válidos, com diferença de 0,58%) para o situacionista Felipe Calderón, achou-se no direito de não reconhecer a derrota e permaneceu por dois meses incitando seus partidários à desordem civil até ser obrigado a calar-se pela justiça que desde o primeiro momento atestou ter sido a eleição limpa e o resultado legalmente incontestável. Afinal, como dizem os futebolistas, dá no mesmo perder por um ou por dez. Depois, pela absurda decisão do Congresso norte-americano de maioria republicana, alegremente referendada pela assinatura do presidente Bush com a desculpa de que o fazia por motivação eleitoral (a idéia seria convencer os eleitores de que as fronteiras seriam bem protegidas), de construir um muro de 1.120 quilômetros na divisa entre os dois países a fim de impedir a entrada de imigrantes latinos sem documentos que, como mão-de-obra barata, costumam aceitar todo e qualquer serviço que lhes é dado por norte-americanos que não querem executar tarefas que consideram menos nobres.
Com a auto-estima em visível baixa, os mexicanos toparam o curioso desafio proposto pela Federação Nacional de Xadrez e acorreram como moscas à vasta praça central da cidade do México em frente ao Palácio do Governo. El Zócalo, como é conhecida a Praça da Constituição, e que com seus 21.344 m2 só perde em gigantismo para a Praça Vermelha de Moscou e para a Taiananmen de Pequim, viu-se pintada em imensos quadriláteros brancos e negros, transformando-se no maior tabuleiro de xadrez já feito na face da Terra. Nos dias anteriores cerca de 23 mil aficcionados do esporte dos reis fizeram suas inscrições para enfrentar a mestres nacionais e internacionais em partidas jogadas simultaneamente. Em cada uma das 64 casas instalaram-se cerca de trinta tabuleiros com reis, rainhas, torres, bispos, cavalos e peões, peças trazidas pelos próprios jogadores. Foram aceitos 13.446 (os que não couberam no Zócalo espalharam-se pelas ruas em volta), o suficiente para bater o primeiro recorde mundial do dia: o Guiness do maior número de partidas de xadrez jogadas em forma simultânea. As marcas anteriores haviam sido estabelecidas em Cuba, na Espanha e a mais recente, com 12.388 tabuleiros, na cidade de Pachuca, também no México. Fez-se um silêncio impressionante que logo cedeu ao movimento do primeiro peão do rei e, então, aos passos dos simultaneistas que se moviam com incrível rapidez de uma mesa a outra, uma vez que para eles o segredo da vitória está em não dar tempo a cada um de seus múltiplos adversários para que pense e construa suas jogadas e estratégias. Enquanto isso, o campeão mundial Anatoly Karpov dedicava-se a construir outra marca para constar no Guiness: a de maior número de autógrafos. O russo começou às 10 horas da manhã e às 4 e meia da tarde assinou o exemplar de número 1.951 (o ano de seu nascimento) do livro com sua biografia escrito  pelo autor espanhol David Llada e vendido a cerca de dois dólares cada (como tema de livro, o xadrez no mundo só perde em vendas para a religião).
É curioso e ao mesmo tempo animador observar como o xadrez, um misto de ciência e de esporte, consegue resistir à agitação do mundo moderno e à globalização da economia e dos negócios para fazer com que cada vez mais homens e mulheres de todas as idades a ele se dediquem. Os computadores chegaram à perfeição de derrotar a um campeão mundial e hoje estão proibidos de jogar campeonatos de grandes mestres, mas com seus cálculos que chegam aos limites da perfeição não conseguem substituir o prazer humano de construir e vencer (ou perder) uma batalha feita de puro raciocínio e atenção. Os russos e seus vizinhos da ex-União Soviética continuam dominando esse universo (o atual número um é Vladimir Kramnik depois de vencer o búlgaro Vesselin Topalov para reunificar o título) e na Cidade do México não foi diferente. No quadrangular decisivo, venceu Serguei Karjakin (na verdade é ucraniano), de 13 anos e o grande mestre mais jovem da história, à frente do legendário Victor Korchnoi que acaba de completar 74 primaveras e da bela modelo Alexandra Kosteniuk que há pouco perdeu por detalhes o título mundial feminino para a chinesa Xie Jun. A política também se intrometeu entre os enxadristas, fazendo com que o até a pouco imbatível Kasparov se retirasse dos tabuleiros para tentar a missão aparentemente impossível de tirar do poder a Vladimir Putin. Por lá quem é da oposição não tem vida fácil e há poucos dias ao visitar Beslan na Ossétia do Norte – onde há dois anos 331 pessoas, a grande maioria crianças da escola invadida por terroristas, foram mortas -, a fim de conversar com familiares das vítimas, Kasparov primeiro foi atingido com ovos até que um jovem partidário do presidente, mais afoito, agrediu-o com um tabuleiro depois de dizer-lhe que “eu o admiro como jogador de xadrez, mas você deve ficar fora da política”.
O orgulho mexicano foi, pelo menos em parte, recuperado na praça quadriculada do Zócalo, talvez dando mais coragem a Felipe Calderón que não poderá, como o fez seu antecessor Vicente Fox, ignorar o drama dos milhares de compatriotas e de latino-americanos que fogem de suas pátrias porque nelas não há emprego nem esperança, tentando de qualquer maneira entrar e permanecer em território norte-americano onde podem não achar a felicidade, mas têm certeza de que encontrarão o dinheiro para garantir sua sobrevivência. A vitória democrata nas eleições parlamentares deverá fazer com que, pelo menos, o problema não se agrave, mas uma conversa aberta e firme entre estadistas para de fato equacionar o problema da fronteira e dos imigrantes, ainda terá de esperar pelo próximo presidente do poderoso Estados Unidos da América.


 


Vitor Gomes Pinto
Escritor e analista internacional