Os informes mais recentes do Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime e do Departamento de Estado dos EUA indicam que as áreas de plantação de coca se multiplicaram na região andina, apesar de todo o dinheiro gasto e do apoio cada vez mais ativo e diversificado dos norte-americanos em especial ao presidente Álvaro Uribe na Colômbia. Milhões de dólares investidos e o único resultado palpável é o da mudança de localização das plantações, o que mostra uma mobilidade e uma capacidade de adaptação extraordinárias por parte dos plantadores e dos traficantes. Ao mesmo tempo, a produção de ópio se consolida e se expande no Afeganistão. Lá como aqui é o dinheiro da droga que alimenta as guerras.
Há dois tipos de drogas que causam dependência psíquica no mundo. De um lado estão as sintéticas, produzidas em laboratório (a partir de precursores químicos), como o ecstasy, estimulantes do tipo anfetamínico, depressivos como o mandrax e benzodiasepinas como o valium e o librium. De outro lado as naturais, extraídas das plantas pelo refinamento de suas substâncias primárias. Neste caso, destacam-se a cannabis que dá origem à maconha e ao haxixe, a papoula que origina a morfina e a heroína, e a coca da qual surge a cocaína. Vastos cultivos da cannabis podem ser encontrados em mais de 120 países, incluindo a produção em ambientes fechados na Holanda, EUA e Canadá principalmente, e em fazendas, por exemplo no México, Jamaica, Quirguistão, Casaquistão, Paquistão, Marrocos, Nigéria, África do Sul, Suazilândia. As cidades de Cabrobó e Bodocó em Pernambuco e Floresta no Maranhão têm garantido a participação brasileira como produtor de maconha, ao passo que em áreas do Acre (inclusive próximo a Rio Branco), nos vales do rio Negro e do rio Guaporé temos o epadu, uma variedade mais fraca da coca que é tradicionalmente consumida por tribos indígenas e cada vez mais pelos brancos, com a vantagem de propiciar até quatro colheitas anuais. Os plantios de papoula concentram-se no Afeganistão e na ex-Birmânia (atual Mianmar), responsáveis por 95% das 6 mil toneladas de ópio que a cada ano o mundo produz. A coca é toda ela proveniente da América do Sul. No início da década de 1990, cerca de 85% dos cultivos estavam no Peru e na Bolívia. Hoje, mesmo com o ressurgimento dos plantios nos vales do Huallaga e do Chapare, o quadro mudou e, dos cerca de 160 mil hectares de coca, 54% estão na Colômbia de Uribe, 30% no Peru de Alan García e 16% na Bolívia de Evo Morales.
O Brasil, considerado um país de médio porte com relação ao consumo de cocaína, heroína e drogas sintéticas, funciona como área de trânsito, como base para estoque e plataforma para a exportação dirigida aos países mais ricos e grandes consumidores da coca latino-americana. Aqui se produz a maior parte dos insumos necessários (éter e acetona, principalmente) ao processamento que irá transformar a coca em cocaína, mas são as estruturas criminosas ligadas ao setor que cada vez mais parecem tornar-se economicamente sólidas e influentes. As rotas nacionais para o tráfico, de acordo com o mapa da droga publicado pelo Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, inicialmente seguiram os mesmos caminhos utilizados para o contrabando de ouro no século 18, de borracha no final do século 19 e depois no comércio da madeira, neste caso coincidindo com a reativação do comércio na Amazônia. Nas últimas décadas houve uma maior diversificação e hoje é possível identificar três grandes eixos por onde flui o tráfico nacional: um central, correspondente às cidades situadas na parte mais baixa do rio Solimões com a entrada da droga pela conexão Letícia/Tabatinga e pelos rios Içá e Japurá, de onde segue para Tefé e Coari e, por fim, a Manaus. Outro eixo é o ocidental, pela BR 364 em Rondônia e Mato Grosso. Por último, o eixo oriental que tem como referência a rota Belém-Brasília, cruzando o estado de Tocantins e que se aproveita da intensificação do comércio da soja que conquistou o mercado internacional.
Os principais fluxos de matéria-prima são provenientes da Colômbia, Peru e Bolívia, mas também há caminhos pela Venezuela e um outro pelo Paraguai, por Ponta Porã no Mato Grosso do Sul e daí até São Paulo, ou direto por Ciudad del Este/Foz do Iguaçu e então Ponta Grossa e Curitiba. Em geral este é um comércio que acompanha o vaivém dos produtos legais. Ao lado da carne, do trigo, dos produtos eletrônicos, das máquinas, passam para lá e para cá a droga, os precursores químicos e as armas.
As perspectivas de mudanças, pelo menos no curto prazo, são mínimas ou inexistentes. A política internacional de criminalização da droga é ineficaz, o Plano Colômbia que hoje privilegia a militarização do conflito tentando dominar as Farc também fracassou, e há forte resistência em relação à alternativa da legalização. Uma vez que o mercado consumidor se mantém estável na Europa e nos Estados Unidos, a oferta igualmente não demonstra fraquezas e os lucros continuam nas alturas. A razão é uma só: um quilo de cocaína que custa 890 dólares na fonte, ou seja, nos campos peruanos ou colombianos, multiplica em 54 vezes o seu preço e é vendida por volta de 48 mil dólares na Europa.


 


 


Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional
Autor do livro Guerra en los Andes