Nos Estados Unidos de hoje tudo é meio a meio. Políticos e administradores públicos nem sonham com maiorias avassaladoras, contentando-se até mesmo com vantagens de 1 ou 2% para tocarem em frente seus projetos. Os democratas dizem sim e os republicanos dizem não, ou vice versa, com o que o placar eleitoral para 6 de novembro segue totalmente indefinido. Um exemplo das diferenças radicais de opinião que separam as duas metades é a Lei de Proteção ao Paciente e Acessibilidade de Cuidados assinada após duros embates em 23 de março de 2010 com o objetivo de expandir a cobertura médica rumo à universalização do sistema, controlar os custos que já abocanham 18% do PIB norte-americano e melhorar a qualidade dos serviços. O elemento crucial da lei é o chamado mandato individual pelo qual a partir de 1º de janeiro de 2014 cada pessoa terá de manter um mínimo essencial de cobertura por meio de um seguro-saúde obrigatório, penalizando-se os desobedientes com uma multa que subirá gradativamente até alcançar 2,5% da renda anual da família. Com essa e outras medidas Obama se propõe a incorporar ao sistema de saúde 32 milhões de americanos, deixando de fora cerca de 23 milhões que em princípio são imigrantes não documentados. Um modelo similar, que serviu de exemplo para a lei dos democratas, foi criado por Mitt Romney quando era o governador de Massachusetts e lá, segundo ele próprio tem afirmado, funciona muito bem. Não obstante, acha que sua aplicação em nível nacional é um absurdo e não vai dar certo.
Uma vez que o novo sistema ainda não entrou plenamente em vigor (a demora se deve à feroz resistência dos republicanos no Congresso que retardou ao máximo a sua vigência), a discussão se transformou numa mera guerra de palavras. O conflito assumiu tal proporção que a constitucionalidade da lei foi levada à Suprema Corte de Justiça a qual, num processo que lembrou o nosso Mensalão pela atenção despertada, afinal decidiu em junho deste ano mantê-la, reconhecendo a legalidade do mandato individual. Com 9 juízes, o placar foi de 5 x 4 graças ao voto do presidente da Corte, o conservador John G. Roberts Jr. Durante os intensos debates, o presidente Obama argumentou que aquele era um programa de governo eleito democraticamente e aprovado pela maioria, não se justificando sua eventual interrupção por juízes que não receberam um só voto da população para exercerem suas funções.
Os republicanos, à falta de uma proposta concreta para o setor saúde, colocam o controle dos gastos médicos como sua prioridade, afirmando que o déficit orçamentário federal crescerá com o aumento de cobertura proposto por Obama e que as forças de mercado devem gerir os negócios da saúde.
A previsão dos democratas é de universalização do programa Medicaid totalmente financiado pelo governo federal e executado pelos estados para pessoas de baixa renda com idade de até 65 anos. Já o Medicare – que se destina aos idosos e tradicionalmente é mais restritivo, exigindo coparticipação financeira dos beneficiados – deve ser favorecido via aumento da remuneração dos médicos, igualando-as às pagas no Medicaid. A nova lei proíbe as empresas seguradoras de cobrarem mais ou negarem proteção a quem adoecer e aos mais velhos
Romney pretende controlar as despesas desses programas distribuindo vauchers, ou seja, vales com um valor máximo a ser gasto pelos beneficiários que escolheriam entre afiliar-se à estrutura de serviços públicos ou comprar um seguro privado. Promete garantir acesso a pessoas com doenças pré-existentes, mas apenas para os que tiverem um plano de saúde sem interrupções nos últimos anos, o que jogará milhões de pessoas na vala comum das bolsas de alto risco que já existem em alguns estados, mas têm mensalidades com valores proibitivos.
Na prática, os democratas não têm sido capazes de convencer a população dos méritos de sua proposta de organização do sistema de saúde. 48% dos entrevistados nas mais recentes pesquisas de opinião, considerando que não estão sendo beneficiados, o avaliam negativamente Outros 34% estão a favor e 18% permanecem em dúvida. Organizações públicas e privadas que atendem a população mantém seus planos de contratação de pessoal e de expansão da rede em compasso de espera. Quem se arrisca a investir com tanta incerteza no mercado?

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional e doutor em saúde pública