O Brasil já teve vinte e oito eleições presidenciais no período republicano e nas dezoito primeiras cultivou-se o saudável hábito de eleger separadamente o vice-presidente que fazia campanha, tinha programa de governo, mostrava quem era. Na verdade, a República, ao final do século XIX, nasceu sob o signo do vice: Floriano Peixoto minou dia-a-dia o mandato de Deodoro da Fonseca até forçá-lo a renunciar três dias antes de completar curtos nove meses de governo. A Constituição mandava fazer nova eleição, mas Floriano não permitiu. A escolha simultânea, em chapa única, de Presidente e Vice é um remanescente da ditadura militar que a instituiu a partir da dupla Costa e Silva e Pedro Aleixo. Antes, Jânio e Jango foram eleitos separadamente pelo povo, como Castelo Branco e José Maria Alkmin quatro anos depois pelo Congresso. Quando Prudente de Morais afastou-se para sofrer uma cirurgia, Manuel Vitorino assumiu, trocou todo o Ministério e mudou a sede do governo do belíssimo Palácio Itamaraty para o Catete, espalhando a notícia de que o chefe, doente, não reassumiria. Para sua surpresa, um belo dia Prudente desceu de um velho taxi na porta do palácio, sem avisar a ninguém (caso contrário seria impedido de entrar) e reassumiu. Afonso Pena faleceu e deu o lugar a Nilo Peçanha, da mesma forma que Rodrigues Alves (vitimado pela febre amarela em 1918), substituído por Delfim Moreira que, sofrendo das faculdades mentais, logo saiu. O suicídio de Getulio Vargas em 1954 fez de Café Filho o Presidente. Jango, que já fora Vice de JK, foi eleito com 4,5 milhões de votos por uma coligação (PTB, PSD, PSB) contrária à de Jânio Quadros, assumindo quando este renunciou, para ser derrubado pelo golpe de 64. No período militar, o vice civil era um zero à esquerda. Alkmin foi obrigado a dormir num motel no Paraguai quando Castelo viajou ao exterior, para não assumir. Pedro Aleixo, mesmo sendo fundador da UDN e um dos mentores da Redentora, foi declarado impedido pelo Conselho de Segurança Nacional e, na morte de Costa e Silva acabou cedendo o lugar para uma Junta Militar. Tancredo Neves faleceu antes da posse e, com isso, o país ganhou de presente José Sarney, a quem nem sequer conhecia. Algo similar aconteceu no impeachment de Fernando Collor, cedendo de graça a vaga para Itamar Franco. Pesquisa de opinião realizada um ano depois que Itamar assumira, perguntou ao povo quem foi o Vice de Collor?, constatando que quase ninguém lembrava.
Não resta dúvida de que o próximo Vice tem, pelo menos dos pontos de vista histórico e estatístico, boas chances de herdar a presidência do Brasil, o que é motivo mais do que suficiente para prestarmos atenção no perfil dos que hoje surgem como candidatos ao posto. No lado do PT, depois dos tropeços de Ciro Gomes e Henrique Meirelles, o mais forte é o atual presidente do PMDB e da Câmara dos Deputados, o advogado paulista descendente de libaneses Michel Temer Lulia. Na última década nenhum Projeto de Lei digno de atenção saiu de sua caneta. Lidera um grupo de políticos cuja característica básica é a maleabilidade e a capacidade de ocupar posições no Executivo em troca de apoio no Legislativo. Com rara habilidade para a negociação política de corredores palacianos, a cada governo Temer e seu grupo primeiro proclamam autonomia e barram a tramitação de alguns projetos do Executivo que termina cedendo, afinal propiciando a adesão total de quem aparentemente o ameaçava, conforme descrição recente de Dácio Malta em seu blog. Temer desistiu do caminho das urnas populares ao amargar um distante 4º lugar quando secundou a Luiza Erundina no pleito pela Prefeitura de São Paulo em 1998. Na prática, comanda a corrente dita fisiológica do PMDB nacional. Caso seja eleito com Dilma, aguardará pacientemente para assumir em caso dela não agüentar o jogo pesado do Planalto.
No outro lado, a disputa pela vaga ao lado de José Serra segue em banho-maria, pois as possibilidades de vitória não estão claras e o candidato tem se mostrado fisicamente uma fortaleza e, caso triunfe, provavelmente governará até o fim dando pouco espaço ao seu Vice. Quem será? No topo do ranking segue o neto de Tancredo, o mineiro Aécio Neves, numa reedição das alianças café-com-leite (entre Minas e São Paulo, criada nos tempos de Campos Sales). Matreiro como o avô, Aécio não entra em dividida e só aceitará se vislumbrar um futuro político concreto. Enquanto as conversas prosseguem, indica o primo Francisco Dornelles do PTB getulista, cujo cacife seriam os 3 minutos na TV, mais os 3 que retiraria do tempo do PT. O DEM acha que o lugar é seu, mas seus nomes parecem fracos: Paulo Souto, Cesar Maia, Marco Maciel, Agripino Maia e Katia Abreu da Confederação Nacional de Agricultura (esta seria uma guinada exagerada à direita). O partido tem tradição recente negativa, pela cassação de Arruda no DF e pelo boicote de Paulo Feijó à administração da gaúcha Ieda Crusius. Persistem os que advogam um candidato nordestino para contrabalançar a influência de Lula e do Bolsa Família na região, ou alguém do sexo feminino. No caso, além de Kátia surgem Marisa Serrano (PSDB/MS) e Marina Silva do PV, mas a experiência de Serra com Rita Camata na derrota para Lula foi um desastre. Hipóteses de uma chapa puro sangue com Tasso Jereissati, Álvaro Dias, Beto Richa ou Jarbas Vasconcelos seriam grandes surpresas, da mesma maneira que os alternativos Mão Santa do PSC piauiense e, de novo, Itamar Franco. Faça suas apostas e reze para que tudo dê certo.     

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional