Álvaro Uribe fez o que pode, mas não conseguiu autorização judicial para concorrer a um terceiro mandato, deixando a Colômbia, do ponto de vista eleitoral, à deriva uma vez que, no fundo, ninguém verdadeiramente se preparara para esta eventualidade. Mesmo assim, os ambiciosos, os oportunistas e os eternamente derrotados em pleitos anteriores foram à luta e a 45 dias das eleições só se sabe que o segundo turno, marcado para 20 de junho, é irreversível. Nas grandes cidades não há guerra, o que favorece o surgimento de um candidato diferente. Num fenômeno parecido com o que acabou elegendo Fernando Collor no Brasil, o ex-prefeito de Bogotá (1995-1997 e 2001-2003) Antanas Mockus do Partido Verde que corria por fora já está quase cabeça a cabeça com o favorito natural, o economista e empresário Juan Manuel Santos, ex-ministro da Defesa de Uribe e até há pouco diretor do principal jornal do país, o El Tiempo, que pertence à sua família. As últimas pesquisas de opinião conferem 36% a Santos e 29% a Mockus numa reação extraordinária, pois subiu sete pontos na última semana graças à adesão do ex-prefeito de Medellín, Sergio Fajardo, guindado à posição de seu candidato a Vice-Presidente. Com 19% figura Noemí Sanin do Partido Conservador (PC) que insiste depois de derrotada nas duas eleições precedentes, enquanto Rafael Pardo do Partido Liberal (PL) só tem 4% das preferências.
O povo rejeita os partidos tradicionais – PC e PL que dominaram a política colombiana desde sua criação em 1850 – para optar entre duas candidaturas não necessariamente distintas. De um lado, está o continuísmo do uribismo representado por Santos que baseia sua campanha na manutenção da Política de Segurança Democrática que colocou as FARC contra a parede reduzindo o terrorismo no país com forte apoio dos EUA. Concorre pelo Partido Social de Unidade Nacional ou Partido de La U, criado em 2005 para dar sustentação a Uribe que, a exemplo de Santos, é originário do liberalismo. Mockus vai pelo novo Partido Verde ao qual aderiu (junto com dois outros ex-prefeitos da capital, Luis Eduardo Garzón e Enrique Peñalosa) logo após a fundação em 2009, mas suas propostas não parecem inovadoras: aprofundar a Segurança Democrática com legalidade, construir sobre o construído e praticar o lema com educação tudo se pode.
A oposição à guerra e a esquerda perderam espaço na Colômbia e a consequência é de que Gustavo Petro do Pólo Democrático tem apenas 4% das preferências. Petro propõe o diálogo com base no lema Acordo sobre o fundamental, tem um programa com conteúdo e é o que melhor se sai nos debates pela TV, mas é rejeitado por ser um antigo guerrilheiro do M-19, movimento que abandonou as armas em março de 1990. Surpreendida pelo fenômeno Mockus que a mídia classifica como a onda verde, a direita se une com declarações de apoio explícito a Santos para o 2º turno de suas principais agremiações: PC, PL e Cambio Radical. Uribe, em desespero de causa, acusa o adversário de, como prefeito de Bogotá no momento da sua posse na presidência há oito anos, não o ter protegido contra o ataque das FARC ao Palácio de governo com bombas e morteiros que deixaram um saldo de dezessete mortos. No entanto, as administrações de Mockus são reconhecidas pela drástica redução da violência na capital, mesmo que com campanhas a la Jânio Quadros, como a proibição de particulares soltarem fogos de artifício, a Hora da cenoura para limitar horário de funcionamento e venda de bebidas alcoólicas em bares e as noches sin hombres, nas quais só as mulheres saíam às ruas para divertir-se.
Num debate público recente um colunista do jornal El Espectador perguntou a Mockus porque lhe tremiam as mãos, recebendo como resposta a confissão de que sofre do Mal de Parkinson, junto à explicação de que a doença não lhe compromete a saúde mental nem o desempenho diário. Segundo os médicos, teria assegurados doze anos ou mais de vida normal graças à medicação. O atual candidato dos Verdes é uma figura controversa e excêntrica. Matemático e mestre em filosofia, quando reitor da Universidade Nacional da Colômbia para conseguir silêncio dos alunos que o vaiavam no auditório central, tirou as calças e mostrou-lhes o traseiro desnudo. Ainda hoje nos mercados populares é possível comprar um Boneco-que-baixa-as-calças em sua homenagem. Casou-se numa arena de circo montado num elefante, fazia aparições em esquinas de grande movimento vestido de super-herói e como presidente da Câmara costumava vestir um colete à prova de balas com um buraco em forma de coração na altura do peito. Na América Latina sem rumo, ultimamente os eleitores baixaram muito suas exigências em termos de qualificação dos políticos que escolhe para governá-los, apostando quase que sistematicamente em candidatos que aparentemente representem um rompimento com a política tradicional. Em geral não há qualquer garantia de que os costumes e práticas governamentais de fato se modifiquem, mas é preciso pagar para ver e assumir o risco da novidade. Recentemente, assim foi na Bolívia, no Equador, no Paraguai e no Uruguai. Quanto à Colômbia, Manuel Santos, membro da elite nacional mais conservadora e partidário da guerra sem tréguas até forçar as FARC a se renderem ou derrotá-las militarmente, tem a vitória cada vez mais ameaçada. Já Antanas Mockus, como se vê, tem chances.            

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional