Oriente Médio volta ao centro do mundo

Bem Paraná

A 66ª. Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas começou poeticamente sendo dedicada às mulheres, como se ouviu na fala de Dilma Rousseff que, cumprindo com o papel dado ao Brasil desde 1947 de abertura dos debates e falando de tudo um pouco, deu ênfase às questões de gênero. No entanto, todos esperavam por Mustafá Abdel Jalil, líder dos rebeldes líbios que simbolizava o assunto do momento: a primavera árabe. Queriam saber se Sirte, a cidade de Kadafi que está sendo violentamente atacada, de fato cairá, e se os mercenários africanos contratados a peso de ouro para defender o ditador serão liquidados ou bondosamente presos e devolvidos a seus países. O interesse também recaia sobre a Síria socialista do presidente Bashir al Assad que se mantém no poder apesar da repressão que já fez 2.700 vítimas. Poderia haver alguma novidade no Iêmen, uma vez que o presidente Ali Saleh enfim retornou ao país após o atentado que quase o matou dia 3 de junho. O governo iemenita informa que está tudo sob controle, mas na 2ª. feira um carro-bomba em Áden feriu o ministro da Defesa, general Ahmad. Num cenário onde ninguém sabe se o Oriente Médio (ou Próximo) caminha para uma mera substituição de regimes autoritários ou para a democratização, o anúncio da junta militar que toma conta do Egito marcando eleições (as primeiras da era pós-Mubarak), soou animador. O pleito ainda é restrito ao legislativo, começa dia 28 de novembro e terá três longas etapas, mas já é um começo.
De repente o foco mudou. O discurso de Mahmud Abbas e a entrega ao Secretário-Geral do pedido da Autoridade Palestina de filiação à ONU para tornar realidade a política de dois Estados, estão destinados a fazer história e apagaram o resto. Agora a discussão é sobre a votação no Conselho de Segurança e sobre as conseqüências do veto norte-americano e da raiva do ultradireitista 1º ministro israelense Benjamin Netanyahu que quer uma negociação sem precondições, imaginando que Abbas poderá sentar à sua mesa ignorando a manutenção dos territórios ocupados. A promessa de Obama foi de um estado palestino em um ano e Abbas age para transformá-la em realidade. Mesmo sabendo que não tem os votos exigidos para que o tema vá a plenário já é um vitorioso por ter reaberto a questão das negociações de paz e forçado o poderoso esquema EUA-Israel a sair do imobilismo de décadas consagrado pelos tratados de paz do estado judeu com Egito e Jordânia e pelo Acordo de Oslo com os palestinos. Nem as guerras do Libano e da Faixa de Gaza ou as intifadas da Cisjordânia foram capazes de alterar o instável equilíbrio de poder na região.
Agora, novos atores surgem no horizonte, anunciando que o Oriente Próximo não conseguirá permanecer o mesmo. O principal é a opinião pública que, a partir da primavera árabe, não mais poderá ser ignorada. Outro é a Turquia que, ao ver frustrada sua adesão à União Européia, assumiu uma estratégia neo-otomana visando tornar-se uma potência e um modelo de modernização com base islâmica e democrática no circuito formado pelos países árabes, Cáucaso, Ásia Central e os Balcãs. A crescente movimentação do premier Recep Erdogan não passa despercebida para os maiores perdedores potenciais dessa política: os radicais líderes iranianos e do Hamas, que temem perder influência no Iraque, na Síria e na Palestina. A resposta de Israel precisa ser rápida e sabe que deve adaptar-se às mudanças. O melhor caminho parece ser a concretização de um tratado de paz sólido com Abbas.
Enquanto isso, as mulheres, com Hillary Clinton e Dilma à frente, podem comemorar alguns sucessos na região. A Tunísia tem uma ministra de Assuntos Femininos, Lidia Labidi que discursou em Genebra fazendo um pedido de ajuda: um triunfo, embora tenha se retirado frustrada pela mínima atenção recebida. E o rei Abdalá al-Saud da Arábia Saudita anunciou que as mulheres poderão votar e ser votadas nas eleições (as únicas) para o Shura ou Conselhos Consultivos municipais daqui a 4 anos. É o único país onde as mulheres não têm direito de voto por serem mulheres. Também não podem dirigir automóveis, nem viajar ou submeter-se a intervenções cirúrgicas sem permissão do guardião: o pai, o marido ou alguém que tenha legalmente sua custódia. Omaima al Jalafma, uma conservadora senhora saudita habituada à submissão comentou para o jornal espanhol El País: Confiamos em nosso rei e nos sentimos orgulhosas de sua decisão. Agora é preciso que as mulheres aceitem o desafio e mostrem ao povo que são dignas da responsabilidade.        
    

Vitor Gomes Pinto
Escritor, Analista internacional