Sou do tempo em que para informar-se era essencial ter um bom rádio. Depois veio a TV, mas com o defeito de ser barulhenta, espalhafatosa, facilmente denunciando o telespectador. A Internet foi se impondo com surpreendente rapidez, ocupando tempos que estavam vagos, principalmente dos solitários. Nos lares, devido ao seu efeito colateral de prender tanto a garotada quanto os jovens e os idosos em casa, exigindo menores cuidados com as influências das ruas, logo foi aceita.
Raúl Reyes, codinome de Luís Edgar Devia Silva, nasceu em setembro de 1948, foi chefe de célula e logo da regional do Partido Comunista Colombiano e ainda jovem entrou para as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as temíveis FARC. Aproximou-se de Manuel Marulanda Véliz, o Tirofijo, chefe máximo da organização e, fruto da convivência familiar, casou com sua filha, Gloria Marin. Daí a tornar-se o número dois da organização não demorou muito. Quando da ocupação de San Vicente del Caguán (uma área equivalente à Suíça) pela guerrilha, durante o governo de Andrés Pastrana, ele foi o principal interlocutor das FARC, passando a ser conhecido como seu chanceler. Depois vieram os anos de encolhimento da guerrilha, sob intensa pressão do governo de Uribe apoiado pela inteligência e pelo capital norte-americano. Na selva, o isolamento é inevitável, principalmente para o chefe que precisa guardar distância dos subordinados. O que fazer para passar o tempo? Dia após dia o computador surgiu como uma boa solução. Primeiro para conhecer o que se passava pelo mundo, depois para comunicar-se e, no que lhe pareceu uma boa idéia, para armazenar as próprias idéias e, também, tudo o que poderia ser importante para sua atividade.
Raúl Reyes sonhava em passar para a história e, para isso, confiava em que algum dia seus arquivos lhe dariam o lugar a que fazia jus. Certamente estará nos livros, tanto pelo que fez em vida quanto por ser o mais descuidado guerrilheiro já conhecido. Logo após o ataque de 1º de março, no qual as forças armadas colombianas o mataram num acampamento em San Miguel de Sucumbíos no Equador, foram apreendidos três computadores Toshiba Satellite protegidos em caixas de metal, dois discos rígidos e memórias que preenchem um espaço superior a 600 gigabytes e já representam o maior tesouro em termos de informações disponíveis sobre atividade guerrilheira de todo o mundo. Para eliminar qualquer dúvida quanto à sua veracidade, foi chamada a Interpol, organização de polícia internacional à qual pertencem 186 países. O resultado, comunicado pelo Secretário Geral da organização, Ronald Noble, foi de que os exames forenses dos computadores e hardware, realizados por especialistas que nada conheciam do idioma espanhol, indicaram que não há evidência de terem sido manipulados pelo governo colombiano. Na Cúpula União Européia & Países Andinos e do Caribe de Lima. Uribe declarou que ai estava a prova da sua isenção e Chávez, “educadamente”, tachou o espetáculo de “um circo de palhaços”. Os equatorianos pronunciaram-se contra os fatos, achando que o contido nos computadores não tem credibilidade.
A capacidade de Raúl de acumular informações é espantosa, pois corresponde a 39,5 milhões de páginas em Word, o que exigiria cerca de mil anos para serem lidas à razão de cem páginas ao dia. É uma caixa de pandora que se abre, com fotos, documentos, mensagens, que comprometem “a Deus e o mundo” e contam muito sobre as atividades da mais poderosa organização guerrilheira do continente. O que acontecerá com tal tesouro? Como os Estados Unidos reagirão diante da confirmação do envolvimento de Venezuela e Equador com as FARC? Como ficarão as já instáveis relações entre os países andinos? Será possível aos vizinhos que têm o discurso da não ingerência como Chile, Brasil, Uruguai, permanecerem neutros? Ao mesmo tempo, o cerco à guerrilha é apertado, com uma ofensiva de grande porte nas regiões de Guaviare e Vaupés, próximo à fronteira brasileira, onde devem estar boa parte dos mais de oitocentos seqüestrados pelas FARC. Os próximos meses não prometem paz nos Andes.