O Reino de Espanha, impondo sua força sobre os mares do século XVI, foi capaz de montar uma eficiente estrutura administrativa que lhe assegurou o domínio absoluto por mais de trezentos anos dos territórios que se estendiam do México ao Pampa. Foi só na primeira década de 1800 que os movimentos libertadores conseguiram organizar-se ao ponto de derrotar o invasor, declarando sucessivamente a independência dos países que hoje constituem a América Latina. A Simon Bolívar, San Martín, Bernardo O’Higgins, Artigas, sucederam-se numa série que parecia infindável os caudilhos, cada qual a sua maneira exercendo de maneira absoluta e cruel o poder.  Apenas no século XX as democracias conseguiram seu lugar na história e mesmo assim num movimento de vai-e-vém, em luta constante contra ditadores que sempre quiseram manter as coisas como estavam, interferindo unicamente nos fatores que representassem perigo para o exercício absoluto do comando nacional.
Quando o continente, após o naufrágio dos regimes militares no Cone Sul, parecia curado, eis que – numa demonstração do quão débeis são as democracias perante a força – ressurgem, mais vivos do que nunca, os Caudilhos latinos. São parecidos com seus antecessores nos métodos e nas desculpas para reinarem, mas empregam estratégias modernas, adaptadas aos novos tempos, explorando e controlando as massas de miseráveis com grandes programas de ajuda, fazendo e ganhando eleições.
O importante é permanecer no governo e para isso vale tudo. Num golpe de mestre, mesmo que com a sutileza de um argentino, Nestor Kirchner saiu após quatro anos para eleger sua esposa Cristina pensando em substituí-la a seguir (ela pode reeleger-se por mais um período), num projeto que pode dar à família vinte anos de domínio sobre o vizinho do Prata. Nesse terreno o coronel venezuelano Hugo Chávez Frias é imbatível. Depois de dominar Executivo, Legislativo e Judiciário, aprovou uma mudança constitucional que lhe permite reeleições infinitas. Está seguro de que só deixa a presidência quando morrer, embora lá no fundo não creia que isso vá ocorrer algum dia, e enquanto isso procura divertir-se. A mais recente brincadeira do presidente foi feita no último domingo. Em pleno Dia das Mães ligou publicamente para a sua, surpreendendo-a ao perguntar se ela já possuía um Vergatario, nome que deu ao novo telefone celular de fabricação da empresa venezuelana Vetelca com tecnologia da associada chinesa ZTE e que por míseros 15 dólares (R$ 43,50) supostamente tem de tudo: imagem a cores, câmera fotográfica, alarme, lanterna, jogos eletrônicos, rádio AM e FM. A marca foi criada por Chávez e tem como referência “la verga”, que é como os venezuelanos chamam o pênis. A mãe e muitos “puristas” (como estão sendo apelidados pelas milícias e adeptos incondicionais do chavismo) horrorizaram-se com a vulgaridade do comandante e o jornal inglês Guardian publicou a foto de Chávez em fazendo uma chamada, com o título “telefone fálico”, mas isso não impediu que os primeiros seis mil aparelhos se esgotassem no comércio em uma manhã.
Outros dois presidentes, Evo Morales e Rafael Correa, seguiram o exemplo do mestre e mudaram as constituições da Bolívia e do Equador para poderem estender os próprios mandatos com reeleições asseguradas, deixando o projeto de poder eterno para uma discussão posterior. Trata-se de uma febre que não tem conotações ideológicas, como o comprova o colombiano Álvaro Uribe Vélez, às vésperas de ver aprovado no Congresso nacional a autorização para que concorra pela terceira vez ao posto de primeiro mandatário da nação. Para variar haverá uma consulta à população por meio de plebiscito, um obstáculo facilmente transponível por parte de quem controla a máquina estatal. No Brasil esta mesma proposta nunca foi abandonada por Luiz Inácio Lula da Silva e pode ser relançada no momento mais oportuno com vistas às eleições de 2010.
Em uma análise dos fatos mais recentes na região, o jornal equatoriano Hoy lembra que a modificação das regras constitucionais em benefício do mandatário de ocasião é uma porta aberta para reeleições permanentes, numa afronta ao princípio mais essencial da democracia: a alternância. O exercício prolongado do poder, em última análise, favorece o desenvolvimento do caudilhismo com seus corolários naturais: o autoritarismo e a corrupção incontrolável.


 


Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional