Na província do Waziristão, fronteira paquistanesa com as terras afegãs ao noroeste, o alvo das milícias talibãs são… trabalhadores de saúde encarregados da campanha de vacinação das crianças contra a paralisia infantil, doença sem cura que persiste como epidemia apenas ai, no Afeganistão e na Nigéria. Uma auxiliar de saúde foi assassinada e é a 23ª vítima relacionada ao combate à pólio desde maio de 2011, quando Osama Bin Laden caiu em Abbottabad, caçado pela CIA cujos agentes entravam nas casas de jalecos brancos como se fossem do pelotão de saúde que, então, simulava a vacinação dos moradores contra hepatite. Os ataques de agora também são uma retaliação contra o uso de drones, aviões norte-americanos não tripulados, em bombardeios constantes contra as bases guerrilheiras. Mais ao centro do país, no Baluquistão, um terremoto de 7,8 graus que chegou a criar uma nova ilha de 1 km de extensão por 400 metros de largura no Mar da Arábia, encarregou-se de matar pelo menos 350 pessoas às quais se acrescentam muitas outras devido à impossibilidade de acesso dos helicópteros e das brigadas da Defesa Civil, bloqueados pelos guerrilheiros da Frente de Liberação talibã que opera na região.

Segunda maior democracia islâmica do mundo (a primeira é a Indonésia) com 184 milhões habitantes, no domingo 8 deste setembro o país orgulhosamente comemorou, após 66 anos de independência, a inédita transição pacífica de um Presidente eleito a outro, ao ver Asif Ali Zardari do PPP (Partido do Povo Paquistanês) entregar o poder a Mamnoon Hussein, um homem de negócios de 73 anos nascido na Índia, da LMP-N (Liga Muçulmana Paquistanesa-Nawaz) que governará nos próximos cinco anos. Isso só foi possível porque em 2008, logo após a renúncia forçada do todo poderoso general Pervez Musharraf, uma reforma constitucional reduziu drasticamente as atribuições do Presidente da República que passou a ser uma figura cerimonial. O verdadeiro poder é uma vez mais exercido pelo Primeiro-Ministro Nawaz Sharif, igualmente da LMP-N. Mesmo assim se trata de um feito histórico e um verdadeiro milagre. Zardari, ameaçado de deposição desde o primeiro dia de mandato por acusações de corrupção nunca efetivamente comprovadas, era o marido de Benazir Bhutto que ao retornar em 2007 ao país como Primeira-Ministra após oito anos de exílio foi assassinada por um ativista talibã num ataque a bomba organizado pela Al Qaeda em Rawalpindi, ao lado do Quartel General do Exército, com a cumplicidade do governo de Musharraf.

Dois grandes desafios a serem enfrentados pelo novo governo são a criminalidade em Karachi, a maior cidade do país, e o massacre das minorias étnicas e religiosas. Karachi com 11,6 milhões de habitantes é vista como uma cidade falida nas mãos de centenas de grupos fora da lei que incluem facções terroristas, máfias e bandos de assaltantes, esquadrões da morte, afora as múltiplas agremiações políticas que se digladiam sem cessar. Em 2012 viu-se classificada como a mais perigosa megacidade da face da Terra em função da prática endêmica de extorsão e seqüestros e da ação do Tehreek-i Taliban Pakistanare que opera na periferia. Temeroso de que o ainda maior fortalecimento das forças militares se voltasse contra ele como em vários exemplos precedentes, Nawaz Sharif fez uma opção altamente duvidosa e potencialmente explosiva, armando um grupo paramilitar, o Sindh Rangers, com poderes totais para controlar a violência e restaurar a paz. De qualquer modo, triunfar em Karachi é essencial para quem deseja resolver alguns dos principais problemas do Paquistão: a precária infraestrutura, a corrupção endêmica, a íntima ligação entre grupos criminosos e partidos políticos.

A questão religiosa sempre foi e continua sendo um complexo mosaico de quase impossível equacionamento numa nação que lidera as estatísticas internacionais de violação das liberdades de crença. No penúltimo domingo deste mês em Peshawar (também no noroeste, próximo das áreas de domínio terrorista), ao final da manhã os muros brancos da igreja de Todos os Santos quase se escondiam por trás da multidão de crentes que, encerrado o culto, saíam para retornar às suas casas. Duas explosões fizeram 78 vítimas, a maioria crianças e mulheres. No entanto, os cristãos não são os que mais sofrem diante do radicalismo islâmico que nos últimos dezoito meses imolou cerca de 800 fieis principalmente sikhs, xiitas, hindus e ahmadis (seguidores do Islã, mas tidos como uma seita herética pela maioria muçulmana).

Como impedir que o Paquistão se inviabilize em definitivo, naufragando em seus próprios problemas? Para enfrentar a liga nawazista, o PPP confia em Bilawal Bhutto, o jovem filho de Zardari e Benazir. Espera-se que, caso venha a ser eleito, tenha melhor sorte que a mãe e seu avô Ali Bhutto, o qual, após governar o Paquistão na década dos anos 1970, foi preso e enforcado por ordem de seu sucessor.

 

Vitor Gomes Pìnto
Escritor. Analista internacional