Putin impõe medvedev e perde Kosovo

Bem Paraná

Duas semanas após Kosovo ter declarado a independência, seu reconhecimento ou não é um mapa para entender as barreiras que hoje separam o mundo. O governo do 1º Ministro Hashim Thasi é reconhecido por 33 países, um grupo heterogêneo composto pelas nações ocidentais mais desenvolvidas, países muçulmanos e parte da Europa Oriental, além de três latino-americanos (Costa Rica, Panamá e Peru), Taiwan, Malásia e um só africano, o Senegal. Um segundo bloco, que inclui o Brasil, aguarda um posicionamento da ONU (cujas tropas desde 1999 garantem que a Sérvia não retome a limpeza étnica na sua agora ex-província), mesmo sabendo que a Rússia bloqueia qualquer decisão formal no Conselho de Segurança. No outro extremo, 24 países optam pelo não reconhecimento, cada um com motivos particulares que pouco têm a ver com a situação real do Kosovo. São, principalmente, os que temem o recrudescimento de seus próprios movimentos separatistas. É o caso da Espanha em relação ao País Basco e à Catalunha; da Eslováquia com sua minoria húngara; da Geórgia que tem a Abkhásia e a Ossétia do Sul; do Iraque com os curdos; do Canadá com Quebec; do Sri Lanka com o movimento tamil; do Chipre cujo território do norte já é na prática independente ou turco. A África prefere manter os limites dos tempos coloniais; os árabes não querem acirrar as diferenças entre suas etnias e religiões; os que odeiam os Estados Unidos, como Venezuela e Bolívia, imaginam castigá-los negando o Kosovo.
 O caso mais radical, no entanto, é o da Rússia de Putin, um ex-oficial da KGB que garantiu alto prestígio interno ao reabilitar o antigo poderio militar nacional e que, por trás da estratégia de apoio à Sérvia, esconde seu medo de enfrentar novamente e perder a Chechênia. Longe de ser uma democracia, a Rússia elegeu neste domingo o substituto pró-forma de Putin (seguirá no comando, como 1º Ministro), Dmitri Medvedev, num pleito nacional no qual o Rússia Unida, partido que está no poder, assegurou a vitória pelo apoio da maioria dos votantes e pelo impedimento da candidatura de adversários com chances mais sérias, como o ex-campeão mundial de xadrez Garry Gasparov, líder do partido Outra Rússia. Ao mesmo tempo em que procura impedir a instalação do Sistema de Defesa Anti-Míssil dos EUA na Polônia e na República Checa, Putin persegue seus inimigos onde estiverem. A acusação mais forte que pesa contra ele – de assassinato em Londres do oficial de inteligência do Bureau Federal de Segurança (FSB, antiga KGB) Alexander Litvinenko por envenenamento com uma substância altamente radioativa, o polônio 210 – foi feita pela esposa Marina Litvinenko e pelo professor Alex Goldfarb no livro “Muerte de um disidente” (edição espanhola da Taurus, 2007) que virou best-seller internacional. Num caso similar, este mês o milionário Boris Patarkatshvili, acusado de preparar um golpe de estado na vizinha e aliada Geórgia, foi encontrado morto em sua casa nos arredores da capital inglesa. O arquiinimigo, magnata Boris Berezovski, foi condenado em processo à revelia a seis anos de prisão. Medvedev já declarou que não aceita a independência do Kosovo.
  Resta garantir a viabilidade econômica do novo país e impedir sua divisão. Em Mitrovica, norte do Kosovo, a minoria sérvia com apoio de Belgrado entrincheirou-se após a ponte sobre o rio Ibar dividindo a cidade. O desemprego atinge quase a metade da população, a corrupção é endêmica e os dois políticos mais influentes são suspeitos de envolvimento com a máfia: o rico 1º Ministro Hashem Thaci e Ramush Haradinaj que já ocupou a mesma posição, mas está preso em Haia por crimes de guerra e por ter conseguido 20 milhões de euros de procedência desconhecida para custear a própria defesa no Tribunal Penal Internacional. Salva-se o atual presidente, o moderado Fatmir Sedjiu, um professor de história do direito de 56 anos que estudou nos EUA e na França. A União Européia, que apóia a independência, está organizando um grupo de países doadores para sustentar uma fase de transição que pelo visto terá longa duração.


 


Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional