Há duas maneiras de um restaurante ser o melhor da cidade: servir a comida mais saborosa ou ser o único. No caso da pequenina Cala Montjoi, ambas são corretas, se pensarmos apenas em alta cozinha. É lá que fica o El Bulli, mais uma vez considerado o melhor do mundo segundo o complexo processo de escolha da revista inglesa Restaurant. Você pensa em ir lá? Prepare-se, pois não é missão das mais fáceis. Além de dinheiro, é preciso tempo e sorte. O templo gastronômico de Ferrán Adriá só funciona durante metade do ano, de abril a outubro. Os outros seis meses são dedicados, em Barcelona, ao laboratório, ou seja, a preparar as incríveis refeições que serão servidas na temporada seguinte.
Quando as inscrições para reservas, apenas pela internet, são abertas, em meados de outubro e para o ano seguinte, todas as vagas costumam ser preenchidas no primeiro dia. Para uma oferta total de menos de 9 mil lugares à mesa (não chega a 50 por noite e cada mesa só é ocupada uma vez), a casa recebe aproximadamente 400 mil pedidos.
É a Costa Brava do nordeste espanhol até chegar na França, com suas rochas ao mesmo tempo agressivas e áridas que, vindas dos Pirineus aproximam-se aos poucos do mar Mediterrâneo junto ao qual se interrompem de maneira abrupta em formações que parecem altas falésias, de onde se descortinam paisagens deslumbrantes. Cala (significa enseada) Montjoi pertence a Roses, na província de Girona e exige uma descida em estrada feita só de curvas ao longo de sete quilômetros que em geral são percorridos à noite porque o El Bulli só serve jantar e abre às 20h em ponto. O local, numa rocha junto ao mar, era um antigo clube de golfe e o ambiente não tem sofisticação, é propositadamente despojado, simples, para que a clientela se concentre no que realmente interessa: a comida.
Para os gastrônomos, ser recebido no El Bulli equivale a ir a Meca para um muçulmano e ao final das quatro ou cinco horas pelas quais se prolonga o jantar, cada cliente se retira quase em estado de choque, depois da experiência única de atravessar uma jornada na qual lhe são servidos atualmente trinta e dois pratos diferentes, com sabores e texturas criados meticulosamente por mestre Adriá. Felizmente as porções são pequenas e a cozinha pode ser definida como leve. É a chamada cozinha molecular, o top da culinária universal, servida num menu degustação e sem opção para pedidos de comida a la carte. O preço é de 175 euros por pessoa, em torno de R$ 483,00 ao câmbio de hoje, sem incluir bebida nem a gorjeta. Não há como consumir apenas uma garrafa de vinho, mas a carta permite que a escolha comece pelo preço, por exemplo entre 50 e 100 euros, prosseguindo com o país de origem e então com algumas características do vinho. É caro, mas honesto.
Descrever o cardápio é outra tarefa complicada, mas o Maitre explica que são utilizados preferentemente produtos do mundo vegetal e do mar, com pouco uso de carne vermelha. Como os pratos são renovados a cada ano, um livro com as receitas das temporadas precedentes pode ser comprado. Alguns exemplos: foie-gras quente de pato com caviar e flor de saúco, cordeiro com ouriço e algas, mas há também alguns nossos conhecidos: pão de queijo, caipirinha com ostra.
Na votação de 2.007, o segundo lugar ficou com o inglês The Fat Duck do Chef Heston Blumenthal, um casa de estilo clássico e dois pisos em Bray (Berkshire) a uma hora de trem desde Londres que desde o começo dos anos noventa vem sendo premiado pelo Guia Michelin (foi o melhor do ano já em 1991) e também tem como base um menu degustação, embora seja mais tradicional, pois abre o ano todo, permite pedidos a la carte e serve almoço. São R$ 465,00 por cabeça, também fora vinho e gorjeta para uma seqüência de dezoito a vinte pratos de uma cozinha dita científica (é a molecular), com reservas aceitas com um mês de antecedência, ainda que para ter sucesso seja necessário antecipar-se bem mais. Só em 3º veio um francês, o Pierre Gagnaire de Paris, seguido por um norte-americano (French Laundry, uma casa de pedra numa elevação à beira da estrada em Younville perto de Sonoma na Califórnia) e pelo australiano Tetsuya’s em Sidney.
Pelo segundo ano consecutivo o Brasil conquistou uma posição entre os cinqüenta melhores, com o D.O.M. (sigla originária do latim que dignifica o Deus máximo) do Chefe Alex Atala em São Paulo que ainda subiu do 50º para o 38º lugar na lista que é publicada desde 2.002 e na qual antes só uma casa da América do Sul (o 1884 de Buenos Aires) e duas do Caribe (Lone Star e The Cliff de Barbados) haviam conseguido uma fugaz notoriedade. Na última vez em que lá estive, no ano passado, o menu degustação com oito pratos, mais queijos e sobremesa, saía a R$ 260,00 e a reserva pode ser feita com poucos dias de antecedência. No Brasil, sobreviver com um restaurante de alto luxo requer um contínuo exercício de criatividade e o D.O.M, a exemplo de outros paulistas como o Fasano que criou a solução mais suave do Gero, serve almoço a preços populares.
No conjunto dos 50 melhores, a França continua predominando mesmo que com crescentes dificuldades. Mestres como Alain Ducasse (20º), Troigros (25º) ou Paul Bocuse (49º) viram os ingleses, americanos, espanhóis e italianos se aproximarem com propostas culinárias, a exemplo dos vinhos, cada vez mais modernas. Quem sabe você arrisca, vai lá em um dos grandes (a lista completa está em www.theworlds50best.com/2007_list.html) e depois nos conta sua experiência?
Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional