O Peru é um dos raros países latino-americanos que resistiu à má idéia de permitir a reeleição de seus presidentes. Em parte porque em geral não houve uma força política nitidamente predominante e em parte porque odiar o presidente em exercício é o esporte favorito dos peruanos. Os três últimos sabem muito bem do que se trata: Alberto Fujimori foi destituído, Alejandro Toledo (em meio de mandato tinha só 5% de apoio popular) e o atual Alan García chegaram ao final de suas administrações com 35% de aceitação, embora todos tenham proporcionado bons resultados econômicos ao país.  Na verdade, o Peru cresceu em torno de 4,5% ao ano entre 1990 e 2006 e, num autêntico milagre econômico, entre 7% e 9,4% daí em diante, com a exceção de 2009 quando a recessão mundial castigou-o duramente. Entre as duas alternativas de crescimento colocadas como opções para o governo García, a brasileira e a chilena, a opção foi pela segunda, adotando-se o modelo a la Chile de desenvolvimento, caracterizado pelo equilíbrio das contas públicas, aumento da taxa de poupança, abertura comercial, livre movimentação de capitais, privatização de empresas estatais e da previdência social. No entanto, os sucessos macroeconômicos alcançados no período internacional de bonança não foram acompanhados pela distribuição da riqueza para uma população que especialmente nas regiões da costa e da serra mantém níveis elevados de pobreza. Não há como esquecer que a produção e o tráfico de drogas voltaram a crescer em função do arrocho norte-americano na Colômbia, e que o Sendero Luminoso e o MRTA – Movimento Revolucionário Tupac Amaru, continuam dando sinais de vitalidade.   
Três cenários se abrem diante do país: de continuidade do modelo atual nos próximos anos com maiores gastos para abranger as camadas populares até aqui não incluídas; de ruptura, via políticas de desenvolvimento baseadas na nacionalização dos recursos naturais mais importantes (gás, petróleo, geração de eletricidade), seguindo o padrão dos vizinhos Equador, Venezuela e Bolívia; e, por último, de volta ao passado fujimorista. O povo peruano começou a fazer suas escolhas no 1º turno das eleições presidenciais do último domingo, lançando para uma luta feroz no segundo turno os principais defensores e agentes das duas últimas hipóteses.
Os três candidatos da continuidade – o ex-ministro da economia Pedro Paulo Kuczynski (PPK), o ex-presidente Alejandro Toledo e o ex-prefeito de Lima Luis Castañeda – cometeram um erro político crasso ao não se unirem e, embora em conjunto tenham obtido 44% dos votos, ficaram de fora da disputa decisiva. Venceu, com 32% dos votos, o ex-coronel Ollanta Humala da coligação Ganha Peru, que depois de liderar uma revolta contra Fujimori e fracassar numa tentativa de golpe militar junto ao seu irmão Antauro, concorreu e perdeu a presidência para Alan García nas eleições de 2006, devido a suas confusas posições políticas, radicalismo ultranacionalista e por ter ameaçado derrubar à força qualquer dos outros candidatos que o derrotasse. Com ele, vai para o 2º turno Keiko Fujimori (Força 2001, com 23,5%), para quem seu pai Alberto Fujimori não foi um ditador nem o chefe do cruel Vladimiro Montesinos e sim o melhor presidente que o Peru já teve. O Congresso unicameral de 130 cadeiras estará retalhado, exigindo negociações a cada projeto: 41 deputados do Ganha Peru, 35 do Força 2001, 22 do Peru Possível de Toledo, 17 da Aliança para a Grande Mudança de PPK, 11 da Solidariedade Nacional de Castañeda e 4 dos apristas de Alan García.  
Os principais desafios para a campanha da segunda volta são a moderação do discurso com posições cada vez mais ao centro, convencimento da classe média pois Ollanta e Keiko venceram com o apoio das classes D e E mais o povo do interior longínquo e mais atrasado, conquista dos eleitores de Kuczynski (devem migrar para Keiko), Castañeda e Toledo (divididos), superação do medo de radicalismos extremados e de desmonte da base econômica.
Além disso, Ollanta tentará ignorar os de fora, tarefa difícil, pois Evo Morales, Rafael Correa e Hugo Chávez já o cumprimentaram e lhe dão apoio às escâncaras. Mais do que o trio bolivariano, é o apoio brasileiro que mais lhe está valendo. A empresa dos petistas Luís Favre, ex-marido de Marta Suplicy, e Valdemar Garreta é a responsável pelo adoçamento da imagem de Humala e pela divulgação do documento de Compromisso com o Povo Peruano, nos moldes da Carta ao Povo Brasileiro de Lula em 2002, dizendo agora o que os investidores desejam ouvir, ou seja, que reconhece os avanços do país na economia e que pretende respeitar os compromissos internacionais. João Santana, responsável pelo marketing da reeleição de Lula, tem sido visto em Lima e trabalha para reproduzir a experiência da vitória de Fernando Lugo no Paraguai. Os 30 milhões de peruanos (45% indígenas, 37% mestiços, 15% brancos) caíram numa armadilha e não têm para onde correr. O crescimento econômico espetacular – o maior da América Latina – não foi capaz de proteger seus candidatos nem de evitar a volta do país aos tempos de obscurantismo que se anunciam com nitidez no horizonte.       

 

Vitor Gomes Pinto
Escritor, Analista internacional