Entre os insatisfeitos e os aproveitadores, há de tudo na América Latina. Os primeiros têm mil motivos, desde a miséria até a cobiça e a pura revolta política. Os últimos são mais perigosos e por vezes fazem do tráfico da droga o seu modo de vida. Com freqüência todos se confundem, como filhos que são da mesma raiz: a imensa desigualdade que separa um punhado de ricos da imensa maioria que só tem direito a sobreviver e não por muito tempo. Cuba, México, Colômbia e Brasil são os mais recentes atores dessa ópera trágica que maltrata o nosso continente.
Há três anos os boxeadores cubanos Guillermo Rigondeaux, duas vezes campeão olímpico na categoria até 54 kg e Erislandy Lara, campeão mundial até 69 kg, sonhando com a profissionalização disseram “sim” à empresa alemã Arena Box Promotion e ficaram aguardando um bom momento para fugir, que afinal surgiu no Rio de Janeiro. A história foi contada por Ahmet Oner, proprietário da Arena, à agência oficial de notícias Deutsche Welle da Alemanha. Ele declarou que trabalha com isso, já tinha como pupilos a Odianier Solis, Yunokis Gamboa e Yan Barthelemy e estava contente com as duas novas conquistas, pois considera que os melhores pugilistas do mundo são cubanos e acha uma pena que tenham de desertar para ganhar algum dinheiro. É um negócio de risco e, às vezes, fracassa à última hora. No caso, a regularização dos documentos demorou, as polícias cubana e brasileira se empenharam a fundo e não foi difícil localizar os dois descuidados que estavam na farra. Descobertos após a terceira noite de ausência da Vila Olímpica, na 3ª. feira, amedrontaram-se, desistiram do negócio e, em tempo recorde, viram-se na 5a. feira num avião fretado pelo governo de Cuba, de volta ao seu país. O assunto foi resolvido em operação relâmpago pela polícia tupiniquim, sem participação do Itamarati. Ah, se as autoridades e a burocracia brasileiras fossem sempre assim tão ágeis e eficientes…
Em decisão também imediata, o governo de Fidel e Raúl Castro informou-os de que não lutarão mais e que lhes serão oferecidas “tarefas decorosas em favor do esporte”. Os automóveis que haviam ganho foram levados de volta pelo Estado horas depois de confirmada a deserção. Farah Colina, a esposa de Rigondeaux, declarou que “isso não é problema. Foi um presente que deram e podem tomá-lo”. Completou lembrando que “ele sempre foi muito agradecido à revolução e a Fidel, mas todos temos necessidades econômicas. Tenho certeza de que não vão haver represálias”. Como o marido está impedido de exercer a profissão e ficou na miséria, não podendo reclamar, resta saber que represálias ela teme. O jornal do PC cubano, Granma, publicou extensa entrevista com os dois hoje ex-boxeadores, no qual eles revelam arrependimento e insegurança, desculpando-se a todo momento com uma história mal contada e infantil. A culpa foi da vodka, das mulheres e dos intermediários (um alemão, um cubano, dois brasileiros), cujas propostas (cem mil euros para começar) teriam se negado a aceitar. A ONG internacional Human Rights Watch protestou por considerar que os direitos de asilo não foram levados na devida conta, estranhando a pressa com que o governo brasileiro deportou a duas pessoas que, afinal, ainda permaneciam legalmente no país. Já o Ministro da Justiça, Tarso Genro, resumiu o assunto como sendo um desejo de voltar a Cuba expresso por Rigondeaux e Lara, que ele simplesmente acatou. Não há mais, pelo lado cubano, como esclarecer as dúvidas que restaram. O caso agora é “De Estado” e de Havana só se espera o silêncio.
Em outra movimentada ação policial, o colombiano Juan Carlos Ramírez Abadia ou “Chupeta” foi preso numa luxuosa casa em Aldeia da Serra na Grande São Paulo. Um dos doze traficantes mais procurados do mundo, “Chupeta” provavelmente foi denunciado por algozes ávidos por receber a polpuda recompensa oferecida pelos EUA. Na Colômbia, onde liderava o maior cartel de drogas do país, do Norte del Valle (a caoital é Cáli), foi preso em 1996 por narcotráfico sendo sentenciado por 13 anos. Não se sabe porquê, foi libertado em 2001. Acusado como responsável por 300 mortes, tinha o costume de guardar dinheiro enterrado nas suas muitas casas, como reserva de contingência familiar. Em janeiro último foram encontrados 89 milhões de dólares em seis imóveis de Cáli e agora outros 3 milhões por aqui. Revela-se uma incrível rede de negócios do tráfico no Brasil, numa evidência a mais da contaminação do país que hoje funciona como eixo central para a lavagem de dinheiro e rota de movimentação de insumos e da cocaína produzida nos Andes.
Em Cáli as Forças Armadas estão em prontidão máxima, à espera da guerra pela herança deixada por Ramírez. Suas preocupações têm motivos reais. Há cinco anos, quando Victor Patino caiu e decidiu colaborar com a justiça norte-americana delatando seus companheiros, 35 dos seus aliados foram assassinados por ordem de “Chupeta”. O novo Capo mais provável é Aldemar Rojas Mosquera, que substituiu a Laureano Rentería, capturado no episódio dos 89 milhões e em seguida envenenado na cadeia. Outro candidato, o “Rascunho”, que era sócio de “Chupeta”, já foi preso e extraditado para os Estados Unidos. Outros dois Capos sobreviventes, Diego Montoya e Wilber Valera, há cinco anos mantém uma guerra de vida ou morte na qual pelo menos mil pessoas já perderam a vida. O vencedor terá interesse na “Conecção Brasil”?
O Plano Colômbia, que consumiu bilhões do orçamento norte-americano, conseguiu sustentar Álvaro Uribe no poder, mas está longe de solucionar os problemas da guerrilha, do paramilitarismo e da produção e exportação de cocaína e heroína. Estima-se que 50% do território colombiano permaneça imune ao controle oficial. Apesar disso, eis que o governo Bush anuncia um Plano México, para combater o intenso tráfico originário do país vizinho. Já não basta o muro de mais de 1.200 km. que começa a ser construído na fronteira entre os dois países. O novo presidente mexicano Felipe Calderón – a quem nosso presidente Lula em sua recente visita, ao discursar, chamou duas vezes de Caldeirão – lançou uma campanha antidrogas, mas daí a aceitar o muro e transformar-se num novo Uribe vai uma distância enorme que, espera-se, nem a oposição asteca nem os democratas de Hillary e Obama permitirão.
Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional