A  crise econômica internacional transformou-se em desculpa para grandes e pequenos problemas, afetando as relações entre os países e o emprego das pessoas. Dmitry Medvedev ao chegar esta semana ao Rio de Janeiro viu-se obrigado a discutir a diminuição à metade das compras de carne suína brasileira pelo seu país no último mês de outubro, provocada pela “falta de acesso ao crédito”. Na juventude de seus 42 anos e empossado em 7 de maio último depois de receber 70% dos votos numa eleição considerada ilegítima  pelo ex-campeão mundial de xadrez Garry Gasparov do Partido Nova Rússia (impedido de concorrer), Medvedev começou a carreira de advogado defendendo Vladimir Putin, então vice-prefeito de São Petersburgo, de acusações de operações comerciais ilegais. Putin é o verdadeiro comandante de uma Rússia que retoma o autoritarismo dos velhos czares, cada vez mais à direita, e agora conseguiu que uma submissa Câmara Baixa, a Duma, mudasse a constituição aprovando mandatos presidenciais de seis anos ao invés dos atuais quatro. Ele, que foi Presidente a partir de 2000, poderá retornar ao posto (hoje é o 1º Ministro) em 2012 e permanecer até 2024, fechando um ciclo ininterrupto de vinte e quatro anos no poder. Travou dura batalha com George Bush, a quem acusou de cercá-lo com os escudos antimísseis que seriam instalados na Polônia e na República Checa – supostamente para combater ataques do Irã e da Coréia do Norte -, além de criar constantes problemas em seus quintais, no Cáucaso. Reagindo, Putin ameaçou colocar seus próprios mísseis Iskander em Kaliningrado, um enclave russo entre a Polônia e a Lituânia, em frente à costa sueca no Mar Báltico, além de invadir a Chechênia, a Ossétia do Sul e a própria Geórgia, negando-se a aceitar a independência do Kosovo e a crescente penetração norte-americana na Ucrânia e em outras nações do antigo império soviético. Internamente, os comunistas estão na oposição e tiveram apenas 18% dos votos nas eleições de março.
A atual turnê de Medvedev pela América Latina foi planejada quando a Rússia parecia bem mais forte, mas se realiza sob ventos desfavoráveis, com menos dinheiro disponível devido à forte baixa no preço do barril de petróleo e num novo cenário internacional, no qual todos esperam o momento de entender-se com Barack Obama. Nada aconteceu na primeira escala em Lima, onde a cúpula dos 21 países do Pacífico asiático limitou-se a apoiar a integração econômica e prever que no longo prazo será criada uma área de livre comércio regional. Depois de dois dias no Brasil, veio a Venezuela onde Hugo Chávez o esperou com sorrisos depois de dizer que já havia acertado tudo por telefone com o chefe Putin, e Cuba, que ainda não superou o ressentimento de ter sido abandonada e jogada em violenta crise na década de 90 e que, com Raul Castro, espera por entendimentos com Obama e pelo fim do embargo. A Rússia paga o preço de ter escolhido aliados problemáticos ou débeis na América Latina (Nicarágua, Bolívia, Guiana, Cuba e Venezuela), enquanto a China no mesmo período aprofundou sua presença na área priorizando parcerias com México, Brasil e Chile.
As relações com o Brasil, sob um comércio bilateral que este ano chegará a tímidos US$ 6 bilhões, têm um caráter eminentemente econômico. Nosso país queixa-se do pouco empenho russo na eterna reivindicação nacional de entrada no Conselho de Segurança da ONU e recentemente desqualificou a proposta dos jatos Sukhoi-35 na compra de cem novos caças pela FAB (fora os 12 helicópteros agora comprados), deixando na disputa a francesa Dassault, a sueca SAAB e a americana Boeing. Lula pediu uma mudança no regime de cotas de importação de carnes pela Rússia, que uma vez mais está privilegiando seus parceiros estratégicos: Estados Unidos e Europa, mas o  tema sequer foi citado na nota final divulgada pelo Itamarati. Mesmo assim, das 607 mil toneladas de carne suína exportadas pelo Brasil, 45% vão para a Rússia (10% para a Ucrânia, 18% para Hong Kong), mesmo destino de 29% das remessas de carne bovina. Os russos têm interesse em participar com equipamentos militares, armamentos e tecnologia no Plano de reforma do setor brasileiro de defesa. A Gazprom, gigante moscovita do setor de energia, que fechou acordos de exploração conjunta de jazidas com a PDVSA venezuelana, limitar-se-á a abrir uma agência no Rio de Janeiro, mas a visita de Medvedev à Petrobrás certamente renderá uma maior aproximação de ora em diante. No contexto dos Brics (uma cúpula do grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China foi acertada para 2009 em Moscou) e do G-20, as conversas têm maiores chances de dar resultados, considerando o compromisso assumido por este de evitar novas medidas protecionistas no prazo de um ano como forma de combate à crise global da economia. Há muito em jogo e nenhum tempo a perder. Mesmo assim, o governador do Rio de Janeiro resolveu fazer um pedido que considerou especial e relevante a Medvedev: apoio russo para que possa sediar na sua cidade as Olimpíadas de 2016.    


Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional