O cabo Pablo Emílio Moncoya e o suboficial José Libio Martínez estavam lá, a mais de 4 mil de altura no Cerro Patascoy em plena Cordilheira Central colombiana, quando a base de comunicações do exército foi atacada por um comando das Farc em 21 de dezembro de 1997. Já estavam acostumados com as idas e vindas a Pasco, a capital do estado de Nariño, por caminhos de beleza extraordinária. Eram só 27 km, mas em meio dia por vezes não chegavam, pois havia que atravessar de lancha a imensa Lagoa La Cocha, então subir um bom trecho por um dos afluentes do rio Guamués e empreender a escalada de uns 6 km até a base que parecia inexpugnável, mas caiu em 15 minutos de ataque cerrado. São os mais antigos do grupo de 46 seqüestrados que as Farc dizem querer trocar por 500 de seus militantes presos nas cadeias do país. Os outros são trinta e um militares ou policiais que caíram há mais de 9 anos (exceto o mais recente, Guillermo Solórzano, um comandante da Polícia capturado em março último), cinco congressistas, três dirigentes políticos, além dos três norte-americanos retidos há 58 meses e de Ingrid Betancourt com sua vice Clara Rojas que em fevereiro completam 6 anos de cativeiro.
Há cerca de outros 750 seqüestrados por razões econômicas (em princípio podem ser devolvidos se for pago o resgate) que não fazem parte da troca de prisioneiros eufemisticamente denominada de Acordo Humanitário e que agora parece reviver com a proposta do presidente Uribe de afinal ceder à principal exigência da guerrilha: uma área livre de forças de segurança como sede das discussões. A “zona de despeje (desocupação)” teria 150km2 durante cerca de 30 dias, supervisão internacional e intermediação da Igreja Católica. A exemplo de 2005 e de várias outras tentativas, entre as quais a experiência de San Vicente del Caguán no governo de Pastrana, o Acordo deve dar em nada: não será aceito pelas Farc ou será implodido pelo governo diante da primeira dificuldade.
No seu primeiro mandato, o presidente Álvaro Uribe pressionou duramente a guerrilha, forçando-a a reduzir drasticamente suas atividades, mas ainda está longe de derrotá-la e dizer que às Farc restaram apenas os prisioneiros é uma afirmativa longe da verdade. No entanto, o momento pode ser propício porque nunca houve tanta exposição internacional para a guerra colombiana. Uribe cometeu um erro grosseiro ao autorizar Hugo Chávez a negociar o Acordo, tendo de desautorizá-lo quando o coronel venezuelano – em cujo país, junto à fronteira com a Colômbia, bases das Farc atuam impunemente – já agia autonomamente mesmo sem ter obtido qualquer resultado positivo. Agora, para que o presidente francês Nicolas Sarcozy (já enviou carta diretamente a Manuel Marulanda, o Tiro Certo, chefe da guerrilha, pedindo que solte Ingrid antes do Natal) não repita as lambanças de Chávez, tenta dar uma demonstração à comunidade internacional de que está de fato disposto a conversar. O 1º ministro italiano Romano Prodi e a presidente argentina Cristina Kirchner, entre outros, colocaram suas colheres nessa sopa, comunicando-se com Sarcozy e não com Uribe que, não obstante, segue ameaçando: promete estraçalhar com o inimigo, julgar seus militantes e destina uma nova verba de 100 milhões de dólares para premiar a delatores ou a quem entregar ou facilitar a entrega dos seqüestrados.
É um quadro problemático e de difícil solução. Os que se opõem à zona de desocupação e a um acordo global com as Farc, têm cinco razões: seria um corredor estratégico para o narcotráfico; só se fala em libertar 7% do total de seqüestrados; seria um incitamento a mais seqüestros, num círculo vicioso; as Farc ganhariam fôlego e representatividade nacional e internacional; uma vez começadas, não se sabe quando as negociações terminariam, pois o grupo de Marulanda costuma dilatar todos os prazos (em Caguán os noventa dias iniciais se transformaram em mil e cem). As fotos de Ingrid Betancourt de cabeça baixa, magra e envelhecida e sua carta dizendo que na selva morre-se a cada dia, mostram que os prazos estão se esgotando e se o objetivo é recuperá-la junto com seus companheiros de infortúnio com vida, é preciso agir já. O protagonismo que as Farc obteriam pode ser a solução final do conflito, caso, de fato, seja possível transformá-las em um ator a mais e desarmado na política colombiana.
Vitor Gomes Pinto
Escritor, Analista internacional
Autor do livro Guerra en los Andes (Editora Abya-Yala, Quito)