Não é frequente vermos sistemas de saúde se constituindo em rastilhos de pólvora para massivos protestos populares, mas neste início de 2012 surpreendentes movimentações sacudiram até ex-repúblicas soviéticas e o tradicional parlamento britânico, além de servir de combustível para as eleições norte-americanas. A raiz comum que liga realidades tão distintas é uma só: a privatização da saúde. Na Romênia a proposta do governo de Traian Basescu foi de entrega à iniciativa particular dos hospitais e centros públicos de saúde, mas quando anunciou a privatização do serviço de urgência (tipo Samu) com suas ambulâncias, o ministro da Saúde Raed Arafat pediu demissão e virou herói para o povo que em resposta marchou pelas ruas até obrigar o governo a abandonar as mudanças e a recolocar Raed no seu posto.
Nos Estados Unidos, empossado em janeiro de 2009 para um mandato de seis anos, Barack Obama de imediato lançou-se à tarefa de cumprir suas promessas de dotar o povo norte-americano de algo parecido a um sistema universal de saúde. Um diagnóstico sobre a situação imperante no final desse ano mostrou que o país era, no mundo, o que mais gastava em saúde – 2,7 trilhões de dólares (US$ 9,624 per capita, o dobro da média das nações altamente industrializadas) – representando em torno de 18% do PIB. Finalmente, em março de 2010 o presidente assinou a lei da Reforma da Saúde expandindo a cobertura por serviços médicos. Cada cidadão norte-americano obrigatoriamente contará com um seguro-saúde, penalizando-se os que não o tiverem com uma multa que subirá de valor até alcançar 2,5% da renda anual da família. A intenção é de incorporar 32 milhões de pessoas ao sistema, deixando de fora cerca de 23 milhões, em geral imigrantes ilegais. 
O custo total estimado é de US$ 938 bilhões em dez anos, sendo este um dos motivos para a oposição dos republicanos que não só negam suas vantagens como procuram constantemente derrubá-la. A Reforma da Saúde é um dos grandes temas em debate na campanha para as eleições presidenciais de 6 de novembro próximo. Por ora, Obama é favorito para a reeleição, mas com a definição do candidato republicano após as prévias a tendência é de um reequilíbrio de posições. Uma vitória republicana deve significar o retorno às regras vigentes nos tempos de Bush. O favorito Mitt Romney, que implantou um plano similar ao dos democratas quando governador de Massachusetts, agora não só rejeita a Reforma de Saúde como propõe estimular a contratação de planos de saúde privados individuais, tirando a responsabilidade dos empregadores. Seu principal oponente, Rick Santorum, afirma: sempre achei que o governo deve ficar fora do negócio da assistência médica. O sistema de saúde deve ser dirigido sob o ponto de vista comercial. A sociedade americana segue dividida. Na última pesquisa Gallup, 47% estão a favor e 44% se dizem contra o modelo Obama da saúde. 
Mas a grande revolução está acontecendo no mais tradicional sistema de bem-estar do mundo ocidental. O governo conservador do 1º ministro David Cameron em coalizão com os Liberais Democratas está fazendo o que Margareth Thatcher não conseguiu: liquidar com o Sistema Nacional de Saúde britânico, privatizando-o. O projeto avançou lentamente no Parlamento, mas agora está na 3ª. e última votação na Câmara dos Comuns (deputados). Passeatas, comícios, pressão sobre os congressistas se sucedem por toda parte. O problema é que o governo decidiu aplicá-lo desde já e, no afã de economizar 20 bilhões de libras esterlinas até 2014, está demitindo pessoal de saúde em massa, prevendo um golpe de graça – a eliminação do regime de subsídios que sustenta toda a atenção primária à saúde do Reino Unido prestada pelos médicos generalistas – até abril do ano que vem.
Além dos trabalhistas, a rejeição é praticamente unânime entre profissionais e instituições de saúde. A Faculdade de Saúde Pública de Liverpool recomendou a retirada por completo do projeto, depois de perguntar: se o sistema precisa economizar, de onde sairá o dinheiro para o lucro do setor privado? A Sociedade de Pediatria disse que o projeto minará a qualidade, segurança, equidade e a integração dos cuidados às crianças e às famílias. Ao invés de cooperar, os serviços de saúde vão competir. A mensagem de milhares de cartazes em frente ao Congresso é: O Sistema Nacional de Saúde não está à venda. Com o imediato apoio da British Medical Association o presidente da entidade que representa os enfermeiros, Peter Carter, declarou que a proposta de Cameron poderá tornar-se o maior desastre da história dos serviços públicos do país. Nem tudo está perdido. A conferência de primavera do Partido Liberal Democrata acaba de negar seu apoio ao projeto da saúde, mas o líder Nick Clegg não é obrigado a acatar a recomendação de seus liderados. Em caso de rompimento da coalizão com os conservadores o governo cai e novas eleições terão de ser convocadas.

 

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional.
Doutor em Saúde Pública