Fernando Lugo, o bispo que se tornou presidente do Paraguay em 2008 ao derrotar nas urnas sessenta anos de hegemonia do Partido Colorado, não tem dado sorte ao longo de seu atribulado mandato. Teve de deixar a batina após ser suspenso a divinis (impedido de exercer funções eclesiásticas) pelo Vaticano, viu-se forçado a reconhecer filhos tidos quando ainda era bispo e ainda enfrentou, com tratsamernto no Sírio Libanês em São Paulo, um câncer linfático do qual recentemente foi declarado curado. Eleito como um Hugo Chávez paraguaio, aos poucos se afastou da esquerda e repartiu o governo entre quase todas as forças políticas do país em busca de uma base de sustentação no Congresso numa tentativa de acordo acima dos partidos que, afinal, fracassou. Seu vice-presidente, Federico Franco do Partido Liberal, passou a fazer-lhe oposição, mas não saiu do governo, tanto que os cinco ministros agora tirados do governo pertencem ao PL e são de sua indicação direta. Os colorados, a mais evidente oposição a Lugo, também aceitaram cargos na administração nacional.
Constantemente acendendo uma vela a Deus e outra ao diabo, o ex-bispo foi ficando isolado e agora, faltando doze meses para o término de seu confuso mandato, quase ninguém mais o quer e muito menos o apoia. A maioria oposicionista na Câmara e no Senado estava apenas à procura de um bom motivo para tirá-lo do poder e julgou que seu momento havia chegado quando no dia 15 deste mês de junho explodiu o conflito na fazenda Morombí em Coruguaty, departamento (estado) de Canindeyú, junto ao Salto do Guaira na divisa com o Paraná, a poucos quilômetros de cidades como Toledo, Umuarama e Foz do Iguaçu.
O local é terra de brasiguaios, os colonos brasileiros que há anos ali cultivam suas propriedades, mas eles nada tiveram a ver com o conflito, causado pela invasão de um grupo de 150 sem-terra, os Carperos, de uma reserva florestal situada no interior da propriedade do ex-senador colorado Blau Riquelme. O Grupo Especial de Operações, CGO, de Foz de Iguazu (a cidade do lado paraguaio em frente às cataratas), deslocado para lá a fim de cumprir o mandato de retomada de posse, foi recebido à bala. Morreram seis policiais e onze camponeses. Na região, próxima à tríplice fronteira, atua um grupo guerrilheiro que seria ligado às FARC, autodenominado de EPP, Exército do Povo Paraguaio.
As responsabilidades ainda estão difusas. Fala-se em inabilidade das forças de segurança, em participação do EPP cujos militantes teriam baleado os policiais, em atuação por baixo dos panos de Federico Franco em apoio a Blau Riquelme com base no fato de que, afinal, o vice é o principal beneficiário da desestabilização do presidente Lugo que é acusado de em seu governo ter sido complacente com os sem-terra, na prática estimulando-os a invadir terras que em seu governo nunca foram desapropriadas numa reforma agrária sempre adiada pretensamente por falta de fundos públicos.
O fato é que a Câmara dos Deputados repentinamente aprovou um pedido de impeachment por 76 votos contra 1, de uma deputada da Frente Guazu que ainda está ao lado de Lugo. O processo passou para o Senado onde também precisa de 2/3 dos votos que, se obtidos, automaticamente afastam do cargo ao Presidente da República, substituindo-o pelo vice.
Lugo tenta permanecer. Declarou que não renuncia e tem respaldo externo, expresso pelos presidentes da Unasul presentes na Rio+20. Tanto ele quanto o boliviano Evo Morales logo declararam que se trata de um golpe de estado. Os congressistas brandem a Constituição que expressamente prevê a possibilidade de afastamento por mau desempenho das funções presidenciais. É um caso, neste aspecto, quase idêntico ao afastamento de Manuel Zelaya em Honduras, também formalmente respaldado pela Carta Magna do país e que, à época, foi denunciado como um golpe da direita e desatou uma pantomima que incluiu até mesmo um asilo do demitido na embaixada brasileira.
Não há justificativa suficiente para a extemporânea interrupção do mandato de Fernando Lugo, que não tem um motivo claro e não é desejado pelo povo paraguaio o qual não participa do processo de declaração do impedimento essencialmente gestado no legislativo. A lógica indica que ele deveria terminar seu período de governo e então dar o lugar a quem for eleito. Conseguirá resistir? A Igreja, numa tentativa de dar o empurrão final para a queda, por meio da palavra de monsenhor Claudio Jimenez da Conferência Episcopal Paraguaia pediu a renúncia de Lugo para evitar conflitos.
Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional