Ao que tudo indica, ou seja, se os resultados do Referendo realizado no sul do Sudão na segunda semana deste janeiro forem respeitados, o maior país da África passará a ser a Argélia com seus 2,4 milhões de km2, seguido pela República Democrática do Congo. O Sudão, até agora o mais extenso, divide-se em dois: o Norte que passa a ter 1,9 milhões de km2, e o Sul com 620 mil. Fosse essa uma questão meramente geográfica, o mundo não estaria preocupado com o que vem de ora em diante no norte da África. O Referendo resultou do Acordo de Paz de 2005 que pôs um fim a uma guerra civil de 21 anos, a mais longa do continente. O conflito serviu de justificativa para o golpe de 1989 e desde então o país está sob o jugo de Omar al-Bashir, que não pode sair do seu território para não ver cumprido o mandato de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional que o acusa de mandante do genocídio de Darfur, no oeste do país onde tribos árabes muçulmanas massacraram povos não-árabes ocasionando 500 mil mortes e 2,5 milhões de refugiados. A secessão foi aprovada com 95% dos votantes e os únicos que se opuseram foram os sulistas que vivem em Darfur, por receio de represálias. O norte é muçulmano, enquanto no sul há uma mescla de cristãos (católicos e anglicanos) e praticantes de religiões animistas. No limite, três estados onde a questão étnica é menos clara seguem em dúvida sobre seus destinos e devem ser submetidos a referendos específicos ainda este ano: Abiey, Kurdufan do Sul e Nilo Azul.
Três cenários, de acordo com análises de especialistas e do Instituto da Paz do congresso norte-americano, em relação ao que vai acontecer ao longo de 2011 surgem agora no horizonte. No primeiro, mesmo sem sofrer agressões do norte ou perder apoio econômico externo, o governo do sul não teria capacidade de superar os problemas e afundaria numa espiral de violência, devido a fatores negativos como deficiências no fornecimento de alimentos, água, energia e na construção de infraestrutura, principalmente estradas; incremento de disputas intertribais; inviabilidade de desarme das milícias. Para evitar esses problemas, será necessário dar solução aos contenciosos entre norte e sul em relação à produção (65% dos poços estão no sul) e distribuição (concentrada no norte) de petróleo, aumentar a assistência internacional e criar uma força policial efetiva e respeitada pela população. No segundo, o risco é de guerra civil generalizada, pela não solução dos desacordos referentes ao recente censo populacional; insucesso das Unidades Integradas que, ao invés de unir oficiais e soldados das Forças Armadas do Sudão e do Exército de Liberação Popular Sudanês para desarmar as milícias, permitiu que cada lado seguisse aumentando seus próprios efetivos; demarcação incompleta de limites; incertezas quanto aos títulos de posse de terras e propriedades, bem como acerca do destino de comunidades inteiras refugiadas, especialmente sulistas no norte. Uma possibilidade de reduzir esses danos potenciais é a extensão do mandato da Missão da ONU no Sudão (UNMIS), dotando-a de mais tropas, com maior autoridade e ampliando sua área de atuação para todo o país.
O terceiro cenário é de tênue balanço entre as partes, ou de desordem controlada, com os governos de AL-Bashir (reeleito em abril último em eleição nacional com 65% dos sufrágios dos 60% de eleitores que compareceram às urnas) e de Salva Kiir Mayardit (agora consagrado de maneira quase unânime pela população do su) assumindo os seguintes compromissos: validação dos resultados do Censo demográfico, aceitação dos resultados da eleição de abril e do referendo, plano de curto prazo para evitar confrontos e explosões localizadas de lado a lado, acordo sobre status dos três estados limítrofes, congelamento do conflito em Darfur impedindo nova escalada de violência, divisão equitativa das dívidas.
Tanto os vizinhos quanto as potências internacionais que disputam as riquezas sudanesas têm grande responsabilidade sobre o futuro dos dois países e de seus povos. Os Estados Unidos de Obama, aliados naturais de Mayardit, precisam dar garantias à China de que seus pesados investimentos no Sudão não serão ameaçados. Os chineses têm sido os principais aliados do regime brutal de AL-Bashir, votando sistematicamente contra as sanções propostas no Conselho de Segurança da ONU e provendo-o com recursos financeiros cada vez mais significativos por meio de acordos bilaterais de comércio que lhes permitem adquirir com foro privilegiado o petróleo, a madeira, o algodão e os minerais sudaneses. Já os países que fazem fronteira com o Sudão do Sul – Etiópia, Quênia, Uganda, República Democrática do Congo e República Centro Africana -, querem devolver refugiados e negociar para se transformarem desde logo em alternativas para o escoamento do petróleo.
Tudo pode acontecer no intervalo entre o Referendo e a cerimônia da independência marcada para 9 de julho. Há consenso de que a capital será Jubá, mas não a respeito do nome do novo país, que poderá ser Sudão do Sul, Novo Sudão, República do Nilo ou Kush, em homenagem a uma das etnias que o povoam. As tribos se digladiam pelas pequenas e grandes questões e basta uma faísca para que o incêndio da violência retorne à bacia do Alto Nilo.
Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional