Talebans e Maoístas assombram a Índia

Bem Paraná

A Índia dedicou o último dia de outubro à lembrança de Indira Gandhi, assassinada em 1984 com trinta e um tiros dados à queima roupa por seus guarda-costas Sikhs como vingança à invasão cinco meses antes pelo exército (ordenada por Indira, que era primeira-ministra), do Templo Dourado em Amritsar, no estado do Punjab junto à sempre perigosa fronteira com o Paquistão. Nos dez dias que se seguiram à morte de Indira, filha de Nehru, pelo menos quatro mil Sikhs foram chacinados país afora, espalhando uma mancha negra nunca apagada sobre a história nacional.  Desde então muita coisa mudou num país que viu fracassar suas políticas de contenção da natalidade e hoje tem 1,17 bilhão de habitantes, apenas cento e oitenta mil a menos que a vizinha China. O primeiro-ministro é um economista Sick (a etnia tem 2% da população, mas isto significa 23,4 milhões de pessoas), Manmohah Singh, acatado por sua seriedade, que vem conduzindo a Índia pelos caminhos de um inusitado e sustentado crescimento de 9% ao ano. Seu Partido do Congresso consolidou-se no poder ao obter na maior eleição do mundo, com 800 milhões de eleitores, uma votação nunca alcançada por qualquer partido nos últimos dezoito anos, arrematando 206 das 543 cadeiras da Lok Sabha, a Câmara de Deputados Federais. O comando do partido, e com ele o verdadeiro poder, segue nas mãos da dinastia Nehru-Gandhi. A presidente é Sonia Gandhi, italiana de nascimento e viúva do ex-primeiro ministro Rajiv Gandhi que era irmão de Indira. Em plena ascensão surge Rahul, filho de Sonia, respeitado por seus hábitos austeros e tido como a razão do atual prestígio popular do Partido que relegou a uma posição de inferioridade tanto os nacionalistas conservadores do Partido Janata  quanto a esquerda.  
Com suas estradas esburacadas e aeroportos arrasados que impedem o fluxo de grandes cargas, a opção por softwares e serviços que podem ser exportados por fios revelou-se perfeita e hoje a Índia tem vários Vales do Silício, ilhas imensas de sucesso que ajudaram a reduzir à metade, num período de vinte anos, sua taxa de pobreza. Na outra face da medalha, tem pelo menos três Nigérias – 300 milhões que vivem com menos de um dólar por dia – ou cinco Bangladesh se considerarmos os 800 milhões que ganham até dois dólares, o que a transforma no lar de 40% dos pobres do mundo. As diversidades nunca podem ser evitadas ou esquecidas nessa terra de dezoito idiomas e mais de 1.200 dialetos com seus milhões de deuses. Para avançar, é preciso contornar as dificuldades a cada passo, como as colocadas agora pelos muçulmanos que exigem mais consideração e maior participação no governo central, argumentando com seu peso populacional (são 13,5% do total, ou seja, 158 milhões, número só superado pela comunidade islâmica da Indonésia) e tolerância na prática religiosa. Os outros focos de preocupação ou conflito são o Paquistão, a China e a guerrilha maoísta.
 Discursando na Cachemira indiana na última semana, Manmohan Singh pediu aos paquistaneses que eliminem os acampamentos de militantes que combatem na fronteira. Ao mesmo tempo, oficiais indianos acusaram os paquistaneses de estarem oferecendo a talebans capturados nas regiões próximas ao Afeganistão a opção de se engajarem na luta contra a Índia na Cachemira ao invés de irem para a prisão. É uma resposta às afirmativas de Islamabad de que o governo indiano estaria financiando rebeldes talebans no Paquistão. Enquanto isso, irritada com a promessa chinesa de apoiar financeiramente o Paquistão na construção de uma hidrelétrica no seu lado da Cachemira, Nova Delhi disse que poderá autorizar o Dalai Lama (que vive exilado em Dharamshala ao norte do país) a visitar o estado fronteiriço de Arunachal Pradesh no Himalaia, em frente a Lhasa, que a China reclama como seu território: uma ofensa inaceitável principalmente após os conflitos no Tibete em 2008.
Numa vasta área situada no centro e no leste, os Naxalites, guerrilheiros maoístas que se fortaleceram na última década (estão presentes em 20 dos 28 estados indianos), fazem ataques diários que já ocasionaram mais de 900 vítimas principalmente no chamado Corredor Vermelho, onde se ocultam em densas selvas e nas montanhas, favorecidos pela miséria intensa do povo. Inicialmente considerados como um bando de foras-da-lei, montaram um santuário às margens do rio Indravati no estado de Chattisgarh com ramificações nos estados limítrofes de Orissa, Bihar, Jharkhand, Maharashtra e mesmo em Bengala Oeste apesar de que este é governado pelo Partido Comunista. Dizem-se defensores dos grupos tribais, os Adivasis, acusando o governo de tomar suas terras para explorar matérias-primas em benefício de grandes empresas. Temeroso com a organização e a disciplina militar dos maoístas que, ao contrário de muitos outros grupos radicais que existem por quase toda Índia, pretendem derrubar o regime, o exército está deslocando 70 mil efetivos para combatê-los, reconhecendo que será uma luta de longo prazo. Enfim, mesmo acostumada a seus infindáveis confrontos, a Índia continua sendo uma das mais sólidas democracias do mundo moderno.      


Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional