Começa tudo de novo! O movimento islâmico fundamentalista taleban se fortalece no Waziristão (11.585 km2 de área, pouco maior que a região metropolitana de Porto Alegre), ameaçando retomar o poder no Afeganistão e desestabilizar a inconsistente democracia paquistanesa. Nas áridas montanhas que dividem os dois países, 950 mil talebans da etnia pashtun, aliados da Al-Qaeda e reforçados por comandos chechenos, uzbeques e árabes, fazem do seu território o mais perigoso da terra: a base da Jihad, a guerra santa. A autonomia das Áreas Tribais Federalmente Administradas do Paquistão, às quais pertencem o Waziristão norte e sul, foi assegurada no século XIX pelos ingleses, como uma área-tampão para proteção da Índia, e hoje segue sendo uma terra de ninguém, onde nem o governo de Islamabad nem as forças dos EUA conseguem entrar. O mais recente acordo de paz, firmado em maio último, estabelecia que o exército retirar-se-ia gradualmente da região em troca do fechamento dos campos de treinamento de militantes, expulsão de combatentes estrangeiros e interrupção dos ataques suicidas. O fracasso do pacto tornou-se definitivo em 21 de agosto, quando na mais violenta ofensiva dos últimos 18 meses, homens-bomba talebans destruíram a até então inexpugnável fábrica de armas paquistanesa na área tribal de Bajaur, matando pelo menos 64 pessoas. Em resposta, no dia seguinte as forças norte-americanas bombardearam acampamentos pashtun no outro lado, no Afeganistão, matando 30 combatentes e cerca de 100 civis.
A região tem uma das menores rendas per capita do planeta e apenas três ocupações possíveis: a agricultura de subsistência, a guerra e o contrabando. Ali, em meio aos combates floresce cada vez mais a papoula de onde se extrai o ópio. De acordo com o informe 2008 sobre drogas da ONU, no ano passado a área cultivada para produção de heroína e de outros derivados do ópio como a morfina aumentou 17% chegando a 193 mil hectares no Afeganistão, país responsável por 82% da produção mundial. Cerca de 2/3 dos cultivos estão nos territórios dominados pelos talebans, com 56% da produção saindo do Afeganistão pelo Iran, 33% pelo Paquistão e o restante pelo Tadjiquistão, garantindo o consumo de 16,5 milhões de viciados em todo o mundo. O principal insumo para fabricação de heroína, o anidrido acético, inexistente no país, é contrabandeado por estas mesmas rotas.
O quadro geopolítico ganhou em complexidade com a renúncia forçada de Pervez Musharraf à presidência. Os Estados Unidos perderam seu principal aliado e não têm confiança em nenhuma das três forças remanescentes: o Partido do Povo Paquistanês – PPP -, maioria no Parlamento, que tem como candidato a Asif Ali Zardari, viúvo de Benazir Bhutto, assassinada em dezembro por um ataque suicida taleban; a Liga-N Muçulmana do Paquistão cujo líder, o ex-primeiro-ministro Nawaz Sharif, apoiou a derrubada de Musharraf mas agora ameaça abandonar a coligação com o PPP e já pediu o adiamento por um mês da eleição parlamentar que elegerá o novo presidente em 6 de setembro; e o Exército nacional, na verdade a grande força política e econômica desta nação muçulmana, com ativos estimados em 3,3 bilhões de dólares acumulados ao longo de seu domínio desde a independência, uma imensa quantia num país que é o terceiro maior beneficiário de ajuda financeira dos EUA. A briga atual entre a Liga-N e o PPP é a recondução ou não dos juizes do Supremo Tribunal que foram demitidos por Musharraf. Temendo que os juizes revoguem a anistia que lhe permitiu voltar ao país, Zardari prefere um acordo depois de eleito presidente. O Exército tem mantido a neutralidade na questão e prefere um governo civil com o qual possa se entender. Sharif e o Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, general Ashfaq Parvez Kayani, parecem mais interessados nos problemas internos do que em enfrentar os mujahidin talebans. Apesar de tudo, Zardari (conhecido como Mister 10% na época em que foi ministro num dos governos de sua esposa) deverá ser a aposta de Condoleezza Rice e de Bush para sustentar o combate à Al-Qaeda no conturbado sul da Ásia.            


Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional