Quatro histórias sobre as influências da mídia no imaginário popular.
Especialmente no primeiro mandato, Bill Clinton tinha uma mania: bater sem parar nos Planos de Saúde. Convencera-se de que todos eram contra – médicos reclamando de sub-remuneração e pacientes de atendimento de segunda linha -, logo, como bom político, porque seria a favor? Sua esposa, Hillary (a mesma que hoje é “a-que-nunca-desiste” ou “a-que-prefere-entregar-o-osso-ao-McCain-do-que-ao-Obama”), chegou a propor um sistema de saúde para todos que não foi aprovado porque o governo teria de pagar o Plano dos mais pobres. Só se falava disso nos EUA e a população passou a reclamar cada vez mais. Deram-se conta de que haviam passado dos limites quando um cidadão, numa camionete 4×4 com um labrador no banco do carona armou uma perseguição policial pelas avenidas de Los Angeles no começo da tarde, quando as crianças mais vêem televisão. Todas as emissoras passaram a transmitir o caso ao vivo até que o homem estacionou no alto de um cruzamento, deu dois tiros no cachorro e explodiu o carro e a si próprio, num dos mais sangrentos acontecimentos já passados na TV americana. Antes, estendeu uma enorme faixa que explicava as razões de sua revolta: o Plano de Saúde que lhe negara atendimento.
Pouco antes de ser demitido pela CBF (setembro/2000) do cargo de treinador da seleção brasileira – acusado de sonegação fiscal, receber comissões nas vendas de jogadores, atentado ao pudor de uma manicure, etc. – Vanderlei Luxemburgo importou um carro de luxo que do porto de Santos foi levado a São Paulo por um motorista contratado. Já na periferia da capital, faltou gasolina. A seleção, que vinha de fracasso em fracasso, jogando com dois homens a mais fora eliminada por Camarões nas Olimpíadas e grande parte dos brasileiros odiava o treinador. Um desocupado que por ali passava não teve dúvidas: rendeu o chofer e levou o carro. Apanhado em seguida disse não saber a quem pertencia o automóvel. “E se soubesse que o dono é o Luxemburgo, o que faria?”. “Ah, eu tacava fogo!”.
Em frente do restaurante Satyricon em Ipanema, no Rio de Janeiro, em setembro de 2005, o taxista identificou o casal que chegava. Eram os proprietários, Miro Leopardi e Marly. Ele freqüentava as manchetes, como suspeito de ligação com sua sócia Sandra Tolpiakow num rumoroso caso de contrabando de cocaína em bucho bovino no circuito Colômbia-Brasil-Europa. Apreciadores da casa, conhecida por servir os melhores pescados da cidade, torciam para que as portas permanecessem abertas e com o mesmo cozinheiro. Nenhuma sentença fora emitida, mas o povo já os julgara. “Esses dois, só matando”, comentou, raivoso e falando sério, o mal-encarado taxista.
Em todos os casos, discute-se o papel da mídia e os seus limites. Até onde lhe é permitido expor publicamente pessoas sem culpa formada? Sem dúvida, a trágica morosidade da justiça brasileira e o caudaloso rio da corrupção que banha todo o país com políticos e agregados que nunca são punidos, obrigam a mídia a ter um forte papel investigativo, desde que consiga coibir os próprios exageros.
O show business montado em São Paulo para transformar a trágica morte de Isabella Nardoni em assunto permanente de primeira página nos dá a quarta história. Desde 4 de maio não há como esconder-se do assunto. Como que trabalhando em conjunto, repórteres, delegados, promotores e oportunistas de toda ordem cercaram Alexandre Nardoni e Anna Jatobá, mas até hoje muitas dúvidas persistem. De acordo com o perito em medicina legal Wilmer Teixeira, algo como 400 mil menores de 4 anos são espancados ao ano no Brasil e 4 mil, em conseqüência, morrem, em quase total anonimato. Em frente à residência do casal, em Guarulhos na rua Dr. Timóteo Penteado, uma multidão não arreda pé. Há muitas crianças. Uma delas, de 8 anos, chamou a atenção do repórter do Estadão, pois dizia sem parar: “Tem que lixar! Tem que lixar”. Afinal ele entendeu. A menina “apenas” repetia as palavras da mãe que, em casa, exigia que o pai de Isabella fosse linchado. Onde vamos parar?
Vitor Gomes Pinto
Escritor, Analista internacional