Nosso muro de Berlim vai cair! Vai cair, grita a juventude nas ruas do Cairo, de Suez, de Alexandria e nas principais cidades do Egito, referindo-se ao regime de Osny Mubarak, surpresa porque desta feita não é atacada pelas tropas nem da polícia – temida por sua costumeira violência contra o povo – nem do exército nacional. Tudo começou dia 1º com a explosão de uma bomba em frente a uma igreja no denso bairro de Shoubra, no Cairo, que matou 21 coptas (egípcios cristãos) e deixou uma centena de feridos. Logo milhares de pessoas marchavam aos gritos de Mubarak, seu canalha, o sangue cóptico não é barato. Na província central de Minya, um muçulmano entrou num trem lotado por cristãos e abriu fogo produzindo seis vítimas, uma delas fatal. Os protestos, num crescendo incontrolável, generalizaram-se com a oposição vislumbrando a chance de derrubar sem armas a ditadura que governa há 30 anos. No ocidente, como o mercado detesta incertezas, as bolsas responderam com a maior queda dos últimos seis meses, devido à crescente instabilidade no Oriente Médio. O papa Bento XVI protestou contra ataques a católicos no Egito, Nigéria e Iraque, provocando a ira do sheik Ahmed AL-Tayyib, imame da principal instituição islâmica sunita do Egito que o acusou de interferir nos assuntos internos do país.
O povo, no Oriente Médio tem problemas comuns: desemprego, preços altos e crescentes, corrupção. Em editorial, o jornal londrino The Guardian diz que quase todos desejam governos inclusivos, abertos e honestos que garantam oportunidades econômicas e liberdades sociais, como se isso por lá fosse possível. Por seu lado, Israel e Estados Unidos não acreditam em democracia na região, preferindo governos de homens fortes que se eternizam no poder. Não está claro, agora, porque o governo de Barack Obama com a concordância de Benjamin Netanyahu, optou por desestabilizar velhos ditadores que têm sido tradicionais aliados. Uma explicação foi dada pelo embaixador norte-americano na Tunísia, Robert Godec e revelada pelo Wikileaks. Ele descobriu o óbvio, ou seja, que o regime de Ben Ali perdeu contato com o povo tunisiano e a corrupção e o ressentimento popular estão crescendo.
A Revolução do Jasmim aconteceu primeiramente na Tunísia (referência à flor nacional), tradicional exportador de mão-de-obra e receptor de turistas sem dinheiro, onde após duas semanas de protestos nas ruas, a ditadura de Zim El Abidine Ben Ali que estava há 23 anos no poder foi derrubada, na verdade por decisão das Forças Armadas que já não o agüentavam mais. Assumiu interinamente o até aqui inexpressivo presidente da Câmara dos Deputados Fouad Mebazaâ, cuja cabeça está sendo pedida em praça pública por não representar qualquer projeto de renovação. Duas belas e maduras mulheres, a 1ª. dama Leila Trabelsi de 53 anos e Suha Arafat de  47, roubam a cena. Leila com seus dez irmãos, todos odiados pelos tunisianos, asilou-se com o marido na Arábia Saudita levando 50 milhões de dólares em barras de ouro. Suha, viúva de Yasser Arafat e herdeira de sua fortuna, mudou-se para a Tunísia onde tem investimentos estimados em 40 milhões de dólares e casou-se na surdina com Bilhassen Trabelsi, o casanova e bom vivant que é irmão de Leila. Os dois casais são disputados nas rodas do Jet set internacional.
Como um rastilho de pólvora os movimentos de rua chegaram à Argélia pressionando Abdelazis Bouteflika no poder desde 1999, ao Iêmen que tem Ali Abdullah Saleh há 32 anos no trono e até à longínqua e pacata terra dos mouros, a Mauritânia, que depois de livrar-se da Frente Polisário e perder para o Marrocos o Saara Ocidental, passando a conviver com o nomadismo de suas tribos, começa a enfrentar problemas por ter se tornado o mais novo país petrolífero da África. Mauritânia, Egito e Jordânia são os únicos membros da Liga Árabe com embaixadores em Israel. Outro foco de instabilidade é o pequeno Líbano, onde o bilionário Najib Mikati foi escolhido 1º Ministro com apoio do Hezbollah do xiita Hassan Nazrallah. Na Jordânia, a autoridade da secular dinastia Hashemita foi quebrada, gerando dissidências de influentes grupos de generais aposentados e protestos tribais. Não se deve esquecer que no Oriente Médio estão Turquia, Afeganistão, Iraque, Síria e Irã, entre outros.
O Egito tem eleições previstas para setembro. Osny Mubarak, aos 82 anos e com câncer de esôfago, talvez não possa concorrer a um sétimo mandato. À frente de um regime militar que vive em estado de exceção desde 1981, quase em desespero de causa e sabendo que seu filho Gamal não tem carisma, resolveu nomear um vice-presidente, o sucessor escolhido, general Omar Suleiman, chefe do serviço nacional de informação, que na prática significa mais do mesmo. Parece difícil que seus planos se concretizem. Uma possibilidade cada vez mais forte de mudar para que nada mude é que as Forças Armadas egípcias decidam substituí-lo, concedendo-lhe uma aposentadoria compulsória. Caso se lembrem das palavras sobre o Oriente Médio que Hillary Clinton pronunciou no Qatar, um dia antes da queda de Ben Ali, de que em muitos lugares, de muitas maneiras, os fundamentos regionais estão afundando na areia, os militares do país dos faraós podem optar por uma solução alternativa, apoiando o hoje candidato virtual da oposição, o prêmio Nobel da Paz e ex-chefe da Agência Internacional de Energia Atômica Mohamed El Baradei. Dificilmente Baradei aceitará um papel de líder revolucionário para, afinal, implantar a democracia no Egito, mas é possível que aceite uma indicação negociada com as lideranças tradicionais e apoio dos EUA, criando na população pelo menos a ilusão da mudança.    

 

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional