Novos paralelos devido ao aquecimento global, adaptações à crise econômica e às restrições ao consumo de álcool, quedas na produção e no consumo, impostos crescentes, protecionismo e novas regras no âmbito da União Européia: um verdadeiro terremoto parece ameaçar o costumeiramente pacato mundo dos vinhos de qualidade.

A Itália, terra onde os brancos respondem por metade das vendas, tornou-se o maior produtor mundial de vinhos não por ter aumentado ou melhorado seus vinhedos e sim por uma nova diminuição nas colheitas francesas. A produção mundial, com 26 bilhões de litros (2/3 provenientes da Europa), recuou 1% em 2009, mas este é um resultado melhor do que no ano anterior quando a crise econômica global forçou a mudança de hábitos dos consumidores que começaram a preferir vinhos mais baratos, favorecendo países grandes exportadores como Austrália, Chile e África do Sul. Um caso à parte é o da Inglaterra, onde cresce a preferência por vinhos leves e adocicados, fazendo explodir as importações do Zinfandel, um vinho leve americano, seja ele rosé ou branco.

 O consumo também está em leve queda. Há uma década quatro dos maiores bebedores do mundo – um francês, um italiano, um espanhol e um português – juntos liquidariam com 200 garrafas em um ano, mas hoje só bebem 168. Na Europa são três as causas para a queda nas vendas: a crise econômica, condições climáticas desfavoráveis e o impacto das políticas governamentais (que não são novas, mas estão mais rígidas) de restrição ao álcool para os que dirigem. Consumidores franceses estão preocupados, achando que a tendência é a adoção de políticas neoproibicionistas.

Outros cobram impostos cada vez mais altos sobre bebidas alcoólicas, aumentando os preços finais. Afora a Suécia e a Dinamarca que aplicam as maiores taxas, na Inglaterra a tributação aumentou para 2,65 libras por litro e para 3,39 nos espumantes. Em compensação, na Hungria o imposto é zero para os vinhos nacionais (este é o sonho dos produtores brasileiros para enfrentar a invasão argentina). Os britânicos são inventivos e discutem a redução no tamanho das garrafas e das taças para forçar um menor consumo.

A reforma do setor vitivinícola aprovada pelo Mercado Comum Europeu entrou em vigência, objetivando reduzir a superprodução e ganhar competitividade no mercado global. O argumento para a adoção de medidas nitidamente protecionistas é de que seus produtores são menores que os dos países rivais e estão em desvantagem diante das principais redes varejistas que compram em grandes quantidades. A Reforma destina mais de um milhão de euros anuais até 2013 para modernização da cadeia de produção, conversão de vinhedos e eliminação de 175 mil hectares plantados nos próximos 3 anos para conter o aumento dos estoques, apoio à divulgação no exterior, além de prever uma simplificação dos regulamentos e dos rótulos, enfatizando as denominações de origem controlada. Produtos dos EUA vendidos na Europa terão de retirar de seus rótulos denominações como “chateau, tawny, ruby, vintage”, repetindo o que já tiveram de fazer com seus “champagnes” que viraram espumantes.

Não é novidade que uvas viníferas se desenvolvem idealmente numa faixa de uns 2.200 km de largura ao redor do mundo entre 30 e 50 graus de latitude, onde o clima é temperado com invernos úmidos e verões secos. Assustados com as mudanças climáticas em curso, produtores de regiões tradicionais pressionaram seus governos a adotarem medidas de contenção do aquecimento global e líderes como Nicolas Sarkozi falaram duro na Cúpula de Copenhagen em dezembro. Se tudo continuar como está, a temperatura média na Terra terá dois graus a mais ao final do século XXI e então as áreas mais favoráveis ao cultivo de uvas terão se deslocado cerca de 9 graus de latitude na direção norte, algo como mil quilômetros. Com isso, regiões nobres como a Borgonha mudarão seus cultivares ou cederão o passo para vinhedos no entorno de Amsterdam e nos condados de Kent e Surrey (que já possuem extensos parreirais) ou em Liveerpool, recuperando uma tradição vinífera que os ingleses perderam há 600 anos. Áreas baixas de Mendoza e do Valle del Maipo deslocar-se-iam para colinas e montanhas a fim de compensar o aumento de latitude.

No Rio Grande do Sul, as zonas da Campanha e da Serra do Sudeste poderiam ser beneficiadas. Hoje, os vinhos leves da Alsácia e da Alemanha já estão se tornando mais encorpados e países de clima frio como a Suécia e o Canadá – cujo único produto competitivo é o Ice Wine, um vinho de sobremesa proveniente de uvas congeladas no pé – começam a pensar num futuro promissor no mercado internacional. O Brasil pouco se envolve nessas discussões. Com um consumo per capita limitado a 1,65 litros/ano que o deixa em 99º lugar no mundo, reduziu sua produção anual para 320 milhões de litros após altas constantes até 2007, mas este pode ser um fator positivo ao compensar em parte o acúmulo de vinhos nas prateleiras que produziu um estoque de 300 milhões de litros, pela dificuldade em competir com produtos importados de preços menores e maior apelo comercial.       

* Vitor Gomes Pinto é escritor e analista internacional