Há duas maneiras de lidar com o trânsito: na mão ou na contramão. No primeiro caso estão os que reconhecem o fracasso do modelo de controle vigente e buscam soluções inovadoras para modificá-lo; no segundo perfilam-se os que procuram tirar proveito do caos, aumentando a arrecadação. No Brasil – um país que desde os anos 1940 decidiu abandonar trens e bondes para incrementar estradas e ruas para carros –, não importa que já se tenha uma das maiores cargas tributárias do mundo, pois a máquina pública é insaciável e sempre quer mais. Agora mesmo a presidenta aprovou em tempo recorde (enquanto projetos de reformas de grande relevância dormem nas bancadas do Congresso) a imposição de multas absurdamente desproporcionais aos delitos cometidos frente à lei seca.
Motoristas, eleitos como as vítimas preferidas dos inventores de impostos, não têm como reagir diante de Departamentos de Trânsito que se tornaram seus maiores inimigos pela capacidade imediata que têm de arruinar suas finanças domésticas pelas razões mais pueris. O sistema está sem controle e as leis não têm poder de discriminação. Este ano, p.ex., a frota de carros no estado de Pernambuco aumentou em 11% e o número de multas em 39%. No DF em 2011 o Detran aplicou 1,7 milhão de multas a uma frota de 1,27 milhão de veículos: 1,3 por carro e média de 194 multas por hora, 90% das quais provenientes de motoristas que andam a 65 km/hora quando o limite é 60, ou que num jantar beberam uma taça de vinho ou um chopp, não ameaçando a ninguém.
Acidentes se devem a imprudentes que dirigem bêbados, mas principalmente à falta de planos viários, a estradas e ruas mal pavimentadas e sem conservação, a sinalizações de trânsito confusas, ao estímulo irresponsável à aquisição de automóveis e motocicletas (e ao endividamento em massa das classes emergentes) via apelo mercadológico da redução do IPI, e à ausência de uma visão correta de futuro. Há solução para cidades que parecem condenadas a serem inviabilizadas por um modelo viário que além de não funcionar as está deteriorando de maneira acelerada?
Das várias tentativas conhecidas, a mais promissora é a mais radical: o modelo de Espaços Compartilhados (Shared Spaces) criado pelo engenheiro batavo Hans Monderman, implantado nos anos setenta em cidades como Bohmte na Alemanha e Drachten na Holanda e hoje adotado na Inglaterra, entre outras, em Brighton-Howe (274 mil habitantes, uma hora ao sul de Londres), Ashord in Kent, Kensington, Chelsea. Numa descrição recente do The Guardian, as decisões são colocadas nas mãos das pessoas, estimulando os motoristas a reduzir a velocidade e a dividir as ruas mais equitativamente com os pedestres. Para tanto, retiram-se semáforos (substituídos por rotatórias, indutores de baixa velocidade, se necessário), sinalizações excessivas e o meio-fio das calçadas para criar uma superfície uniforme que ao não impor separações entre carros e pedestres, faz com que ambos as determinem. Para alegria e grande economia geral, inexistem pardais, leis punitivas e oficiais de trânsito se dedicam a ajudar e não a multar. A discussão continua entre partidários do regime ortodoxo e da visão progressista dos espaços públicos, mas demonstrando que a sinalização de trânsito nem sempre é sinônimo de segurança, os estudos realizados constataram que onde Shared Spaces foram adotados a redução nos acidentes tem sido de até 70%.
Quanto aos carros, o senhor ministro da Fazenda que nos desculpe, mas pelo menos do modo como são vistos atualmente estão fadados a desaparecer, secando tão desmesurável fonte de recursos para o erário. Os jovens já não precisam deles para entrar em contato uns com os outros, pois têm smartphones e tablets, e a pressão de médicos e de ambientalistas tende a aumentar: depois do cigarro, vão à caça dos carros. Enquanto isso, neste 2013 os engarrafamentos em São Paulo, Rio e BH devem tornar-se contínuos. Em entrevista à revista Época, Bob Lutz que já foi vice-presidente da Ford, da BMW e da GM, disse que em trinta anos as estradas serão pontos de energia que recarregarão os carros que as cruzarem; carros elétricos totalmente autônomos irão sozinhos para onde seu dono – que no tempo hoje usado para dirigir se dedicará a ler ou dormir – comandar. A China acaba de ativar o trem-bala que cobre os 2.300 km entre Pequim e Guangzhou em 8 horas, a mesma distância entre Rio e Recife que um bom motorista com sorte e sem parar leva no mínimo 29 horas para percorrer. E você, prezado leitor? Que tal tomar uma atitude nova? Basta conversar com seus amigos e conhecidos, fiscalizar mais, superar a passividade, reagir à orgia de tributos diretos e indiretos que lhe são impostos. Afinal, a teoria de que o único lugar sensível no corpo humano é o bolso só se aplica a quem cobra e não a quem paga.
Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional