A briga interminável entre os dois Viktor – Yuschenko, o presidente, e Yanukovych, o 1º ministro – esconde uma feroz luta por um dos pontos estratégicos mais importantes no tabuleiro político do mundo atual: a Ucrânia, país situado no limite oeste da Rússia; porta de entrada ao Oriente (via Polônia, Romênia ou Eslováquia) para a Europa ocidental; 46,4 milhões de habitantes e um território pouco maior do que Minas Gerais ou a França; com a independência conquistada em 1991 após a debacle da União Soviética.
A guerra entre os dois tornou-se conhecida ao final de 2004, quando fraudes eleitorais forçaram a anulação do pleito vencido por Yanukovych e colocaram o povo nas ruas. A Revolução Laranja levou a uma nova eleição, então com a vitória indiscutível de Yushchenko (52% dos votos contra 44%). Durante a campanha, ao que tudo indica num jantar promovido pelo SBU, o Serviço de Segurança Ucraniano sucedâneo da KGB soviética, Yushchenko, até então admirado por sua beleza e sorriso franco, foi envenenado com dioxina que lhe desfigurou a face e por pouco não o mata. À época, a turma da situação, pró-Rússia, sugeriu que ele comera sushi estragado ou sofria conseqüências da bebida. Num semi-parlamentarismo, foi montado um governo de ampla aliança de forças liderado pela populista Yulia Tymoschenko (favorável à revisão das mais de 3 mil privatizações feitas no governo anterior de Leonid Kuchma) e composto por grupos tão díspares quanto o Partido Socialista e o Partido dos Industrialistas e Empreendedores, que reúne pequenos e médios empresários favoráveis ao processo privatizador. Foi um desastre e em novas eleições legislativas realizadas em março de 2006 o Partido das Regiões ganhou com folga não deixando alternativa ao presidente que teve de nomear seu líder, Viktor Yanukovych como 1º Ministro. Desde então vivem um confronto diário que explodiu no último 10 de setembro. O presidente assistira sem chance de reação ao Parlamento retirar-lhe os poderes de governar, até concluir que lhe restava ainda um, o de dissolver a Rada Suprema, o Congresso ucraniano, demitir o 1º Ministro e convocar novas eleições para 27 de maio próximo. O decreto, que no momento está sub judice no Supremo Tribunal de Justiça, parece pura provocação, pois Yuschenko sabe que seu Partido, o Nossa Ucrânia, elegerá ainda menos deputados e deve ficar em 3º lugar, atrás do Partido das Regiões e da agremiação política de Yulia Tymoschenko.


O que está, de fato, envolvido nessa disputa? De maneira genérica, Yuschenko tem o apoio dos Estados Unidos e da Europa e defende reformas liberais, enquanto Yanukovyck conta com o respaldo de Vladimir Putin, tem viés estatista e apóia uma aliança denominada de “novo espaço econômico” com Rússia, Belarus e Cazaquistão. Nada impede que a corrupção seja considerada um mal endêmico no país. Quando a Ucrânia perdeu os preços soviéticos pelo petróleo e o gás que precisa importar, tendo de comprá-los a preços internacionais, afundou em dívidas e teve de negociar uma crescente participação russa em suas empresas, que pouco reduziu a dependência. O país possui extensos oleodutos e é um corredor para o gasoduto que transporta cerca de 90% do gás siberiano para a Europa. Não tem como ignorar o peso da poderosa vizinha comandada por Putin, nem a tensão sempre viva da província autônoma da Criméia e de Sebastopol (onde persiste a base naval russa), muito menos a proximidade dos ricos campos de petróleo do Mar Cáspio pertencentes basicamente ao Azerbaijão, forte aliado dos EUA. Sua região oriental, onde predomina a etnia russa, mesmo sendo minoritária (17% da população), é a que mais produz riquezas, pois dali sai o aço (província de Dnipropetrovsk, mas as indústrias eletrônica, espacial, de armamentos são, também, muito representativas) cuja exportação em grandes quantidades para a China sustenta o atual boom econômico. As entradas na União Européia e na OTAN continuam sendo negociadas e recentemente declarações favoráveis de Ângela Merkel, a chanceler alemã, colocaram mais lenha nessa fogueira que Putin tenta apagar.


O resumo da ópera é que não há possibilidade de triunfo total do Ocidente e muito menos de derrota absoluta do Oriente. Putin não será escorraçado da Ucrânia e Bush só conseguirá ali incrementar seus negócios. Quanto à luta entre Viktor Yuschenko e Viktor Yanukovych, as perspectivas são de que prosseguirão por algum tempo mais, até que os ucranianos se cansem deles definitivamente. As eleições antecipadas convocadas pelo presidente não são do interesse de ninguém e não devem acontecer. Enquanto a União Européia aconselha a adoção plena do regime parlamentarista, o que significa poder real para o 1º Ministro, os dois líderes reuniram-se e, sabendo que um não tem como liquidar o outro, anunciaram à nação que farão um acordo que lhes permitirá conviver e, quem sabe, até mesmo administrar a Ucrânia.  


 


Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional
Autor do livro ZIM, uma aventura no sul da África