No dia 8 de junho dezesseis seleções nacionais de futebol darão inicio à Eurocopa nos estádios recém construídos ou modernizados da Polônia e da Ucrânia. A escolha, pela UEFA, foi feita em 2007, suplantando as candidaturas da Itália e da dupla Croácia&Hungria. O leste europeu, no entanto, continua instável e em cinco anos muita coisa costuma mudar. “Enquanto as pessoas forem presas e maltratadas por motivos políticos na Ucrânia não pode haver normalidade nas relações com esse país e sob essas circunstâncias não se pode ratificar o acordo de associação com a União Europeia, declarou Sigmar Gabriel do opositor Partido Social Democrata alemão, expressando uma posição logo corroborada pela chanceler Angela Merkel que decidiu não comparecer à Eurocopa naquele país caso não se dê, antes, a libertação da ex-primeira-ministra Yulia Timoshenko que está presa cumprindo sete anos de sentença por suposta evasão de divisas e enfrentando um novo processo que poderá condená-la por doze anos mais.  Médicos alemães visitaram Timoshenko na prisão da cidade de Kharkiv e, depois de diagnosticarem hérnia de disco aconselharam sua imediata remoção para tratamento no hospital Charite de Berlim por não terem como resolver o problema em Kiev.
O julgamento de Yulia não passou de uma vingança pessoal do atual presidente Viktor Yanukovych, logo depois de derrotá-la no 2º turno das eleições de 2010 que dessa feita foram consideradas limpas, ao contrário do que aconteceu em 2004 quando a vitória dele foi anulada por grosseira fraude depois do triunfo da Revolução Laranja que impediu a confirmação dos resultados eleitorais. Então, a terceira figura da troica que desde então se revesa no poder da Ucrânia, Viktor Yuschenko, assumiu a presidência.
A Ucrânia, com sua localização chave no limite oeste da Rússia, o que a torna uma porta natural de entrada no ocidente, afundou num mar de corrupção e numa crise de identidade nacional. Os últimos governos conseguiram praticamente liquidar com as reservas do país ao mesmo tempo em que contraíam uma dívida externa de pelo menos US$ 15 bilhões com a Rússia, bancos europeus e organizações internacionais que é cada vez mais impagável. Os salários e as aposentadorias, no entanto, ultimamente mereceram substanciais aumentos, numa situação que é financeiramente insustentável, mas que por ora mantém calmos os ucranianos. Uma tentativa do atual 1º ministro, Zenon Zawada, de pagar o débito com o FMI por meio de um novo e vultoso empréstimo, fracassou.
 Os dois problemas principais continuam sendo a questão energética e a ligação econômica e política da Ucrânia com o ocidente ou com a Rússia. Timoschenko defende reformas liberais e a entrada na União Europeia, enquanto Yanukovich é um forte aliado de Vladimir Putin, simpatiza com o modelo estatista russo e apoia a fórmula chamada de novo espaço econômico que inclui, ainda, na mesma órbita, Belarus e Cazaquistão, embora até hoje não tenha referendado sua adesão à Comunidade de Estados Independentes formada pela Rússia e pelos estados que compunham a antiga URSS. Em março último a União Europeia e a Ucrânia iniciaram a redação de um novo acordo com o objetivo de formar uma ampla e profunda área de livre comércio, mas o acordo energético de sete anos atrás, que previa recuperar os campos de produção ucranianos de gás, petróleo e carvão, não chegou a ser implementado. As diferenças ideológicas diminuem quando se trata de dar alguma viabilidade à economia nacional, sufocada pelo pagamento de preços extorsivos pelo gás soviético imposto num acordo binacional de 2009. Por ora não há saída. A importação direta de gás do Turcomenistão (hoje atravessa o território russo e Putin pode, a qualquer momento, fechar-lhe as torneiras) só será viável quando terminar a construção do gasoduto transcaspiano
Não há inocentes nessa história, mesmo porque Yulia e Yuschenko que começaram pobres hoje estão entre os mais ricos do país. O povo, cada vez mais cansado de seus políticos e de simplesmente trocar um pelo outro a cada eleição, no momento se revolta contra a profunda corrupção e a violência da perseguição do atual governo aos líderes da Revolução Laranja. A Ucrânia celebra seus vinte anos de independência e muitos prevêem que deixará de existir nos próximos vinte. Os níveis de aprovação popular de Yanukovich nunca foram tão baixos, mas nada muda, pois metade da população é pró-Rússia e metade é pró-ocidente. A pergunta que se faz: quem é pró-Ucrânia?

Vitor Gomes Pinto é Escritor, analista internacional