A pequena Scottsdale, com seus 200 mil habitantes, próxima a Phoenix, capital do Arizona, hoje vive das lembranças dos tempos áureos do faroeste, da fama de seus campos de golfe e da agitação provocada por mexicanos, colombianos, guatemaltecos e até coreanos, vietnamitas, brasileiros sem emprego que teimam em cruzar a fronteira para tentar a vida nos Estados Unidos. Foi em seus arredores, numa fazenda com as montanhas rochosas de pano de fundo, que George Bush puxou com destreza sua arma – uma caneta Cross azul com a réplica de sua assinatura e o selo presidencial gravados – e atirou no alvo: os 500 mil imigrantes ilegais que anualmente entram no seu país. A lei assinada por Bush é a resultante isolada de mais de um ano de discussões acirradas no Congresso sobre o que fazer com os novos indocumentados e com os 12 milhões que vivem nos Estados Unidos, uma fatia que já é 4% da população e não pára de crescer. Destina 1,2 bilhão de dólares para fortalecer e militarizar a fronteira com o México construindo um muro triplo de 1.125 quilômetros, reforçando os efetivos militares e colocando um moderno aparato de câmeras com luzes infravermelhas, radares, barreiras para veículos e os chamados aviões-fantasma que enxergam no escuro. O dinheiro será suficiente para os primeiros 400 quilômetros, começando pela divisa entre Laredo no Texas e Novo Laredo no lado mexicano onde, só no ano passado, ocorreram 140 mortes, a maioria ligada ao tráfico de drogas (a média anual de mortes na fronteira EUA&México é dez vezes maior que a do muro de Berlim).
Forte candidata ao prêmio Ignobel do ano, a idéia tem sido qualificada pelo governo e por pensadores mexicanos como uma vergonha, um ultraje e um completo fracasso da política do presidente Vicente Fox que ao longo de seus cinco anos de mandato tentou convencer seus vizinhos a aprovar um sistema legal de migração que a médio prazo conduziria à anistia para os residentes ilegais e à abertura total das fronteiras, como na Europa. Bush agiu em função das eleições de 7 de novembro próximo, nas quais estarão em jogo todas as 435 cadeiras da Câmara dos Representantes e 33 (1/3 do total) do Senado, num momento em que a tênue maioria dos republicanos é fortemente ameaçada pelo avanço dos democratas. Em seu discurso de Scottsdale, afirmou que “é isso que o povo deste país quer e ele precisa saber que estamos modernizando a fronteira para torná-la mais segura”. Os argumentos da direita republicana são mais claros. Sob a liderança de radicais como o deputado James Sensenbrenner de Wisconsin derrotou a proposta mais ampla e light do Senado e quer o muro já. Charles Krauthamer, articulista do Washington Post, lembra que o amplo programa de legalização levado a efeito em 1986 (a reforma Simpson-Mazzoli da migração) deu residência permanente a 3 milhões de migrantes e agora o país está às voltas com um número quatro vezes maior. Ele diz que quando se constrói um muro para manter as pessoas dentro é uma prisão, mas quando é para deixá-las fora é uma expressão de soberania, como a cerca colocada em volta de uma casa de família. Aconselha começar pelo muro e mostrar que funciona, para depois concretizar “o ato supremamente generoso de absorver como cidadãos aqueles que desobedeceram nossas leis para viver na América”. Ninguém sabe quando seria o “depois”.
A expulsão dos ilegais também tem sido insuficiente. O PRV – Programa de Repatriação Voluntária (sic) – ativado de julho a setembro último, repatriou 180 pessoas por dia (17% mulheres), média superior à da 1a. fase de dois anos atrás, colocando-as em aviões por conta do governo norte-americano no aeroporto de Tucson com destino à Cidade do México. A meta era deportar 300, bem menos do que as 1.080 capturadas pela Patrulha Fronteiriça diariamente só nesse ponto de passagem, em cujas redondezas estão o deserto de Sonora e as gélidas montanhas de Basoquivari, caminhos em geral fatídicos para os que tentam sozinhos ou em containers providenciados pelos coyotes, intermediários que ganham dinheiro traficando de tudo na divisa. O governo do México em mensagem oficial avisou que levar avante a construção do muro poderá solapar as relações bilaterais. Uma resposta só virá, se vier, depois das eleições parlamentares ou no próximo governo. A saída de Bush pode não resolver o problema. Afinal, a lei por ele agora assinada contou com o voto favorável de Hillary Clinton, candidata potencial dos democratas ao governo dos Estados Unidos da América. No distante oeste (o far west), Cisco Kid e Hopalong Cassidy se redivivos certamente ficariam felizes com tantos mexicanos ao alcance de suas balas.
Vitor Gomes Pinto é Escritor, analista internacional, Autor dos livros Guerra nos Andes e ZIM, uma aventura no sul da África