O 7 de abril de 2009 ficará na história como o dia em que um ditador latino-americano que massacrou seu povo foi exemplarmente punido, após amplo direito de defesa, pela justiça do seu próprio país. É uma grande novidade, que foi comemorada dignamente pelas organizações de direitos humanos do continente, pelos familiares de cerca de 70 mil pessoas mortas sob o regime de Alberto Fujimori conhecido como “El chino” (na verdade tinha dupla nacionalidade, peruana e japonesa) e por 64% do povo peruano que apóia o veredicto. Após dez anos de governo e já em terceiro mandato e encurralado por acusações de crimes e corrupção, Fujimori aproveitou uma viagem ao Sultanato de Brunei e fugiu para o Japão, mandando uma carta ao presidente do Congresso na qual apresentou sua “renúncia formal à presidência”, mas o Congresso não a aceitou, declarando o posto vago pela permanente incapacidade moral do mandatário. O povo não participou da crise final nem do seu desfecho, todo ele conduzido na superestrutura governamental, no Executivo e no Legislativo, pois as Forças Armadas, enfraquecidas, estavam acuadas nos quartéis. A sentença foi proferida após 484 dias e 161 sessões de julgamento, durante muitas das quais Fujimori ressonava esgotado ou sem interesse pelas longas perorações de que era alvo. Acordou quando o Rasputin do regime, Vladimiro Montesinos, depôs fazendo uma vigorosa defesa do chefe. Montesinos, recentemente condenado a 20 anos de prisão, era o chefe do Grupo Colina, embrião de diversos grupos paramilitares de direita que logo se transformou na Unidade de Inteligência Operacional (SIN) do exército e em novembro de 1991 fuzilou numa casa a um grupo de quinze pessoas da oposição, entre as quais uma criança de oito anos, em Ayacycho. Em julho de 1992 oito estudantes e um professor foram arrrancados violentamente de suas camas no dormitório da Universidade La Cantuta, raptados e assassinados. Estes dois casos, mais o seqüestro de um jornalista e um empresário, serviram de base para a condenação do ex-presidente, que nunca reconheceu sua culpa nem acusou a ninguém, defendendo-se sob o argumento de que recebera o país falido e em guerra com o Sendero Luminoso e resolveu esses problemas, o que é verdade pelo menos em relação à guerrilha. “Tive de governar desde o inferno e não desde o palácio” disse ele em suas alegações finais, tentando convencer o júri de que os fins justificam os meios. Á sua época, Fujimori foi um fenômeno eleitoral, derrotando nas urnas as maiores personalidades do Peru: o escritor Mario Vargas Llosa, o ex-Secretário geral da ONU Javier Pérez de Cuellar e o economista e seu sucessor Alejandro Toledo.


 A condenação deu-se, por unanimidade, por crimes contra a humanidade e seqüestro, com sustentação na figura jurídica da “autoria mediata”, criada pelo jurista alemão Claus Roxin há 46 anos e que permite sancionar o autor por trás do autor, tornando responsável pelo crime ao que utiliza outras pessoas para levar a cabo seus desígnios. No Peru, os antecedentes são as condenações do líder e fundador do Sendero Luminoso, Abimael Guzmán, e o ex-chefe do SIN, Julio Salazar Monroe. Traduzindo o sentimento dos que lutam pela paz no mundo, a observadora da organização Human Rights Watch, Maria McFarland, declarou que com sua exemplar atuação, o tribunal peruano demonstrou a todos que inclusive os chefes de estado não podem sair impunes depois de cometerem crimes graves.


Este, contudo, ainda não é o final da história. Alan García, com sua voz tonitruante, faz um bom governo e fez questão de manter o Executivo fora do julgamento, dando inteira liberdade ao Judiciário nacional. Com ele, o Peru recuperou a credibilidade internacional e tem um dos melhores índices de crescimento econômico do continente, tendo conseguido aprovar o acordo com os Estados Unidos. Tem, não obstante, baixos níveis de aprovação popular e para as eleições de 2011 o favoritismo é de Keiko Fujimori, a filha de Alberto, que, caso eleita, poderá garantir melhor tratamento ou pena menor para Montesinos, além de ter prometido perdoar o pai depois de opinar que “a condenação foi uma aberração e destila ódio e vingança. Se pensam que esta condenação nos vai debilitar politicamente, equivocam-se”. Será preciso, sempre, voltar a derrotar o fujimorismo e a todos os candidatos a ditadores que insistentemente persistem buscando o poder na nossa América Latina.  



Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional
Autor do livro Guerra em los Andes
(2ª. Edição – Ed. Abya-Yala, 2008)