No Uruguai dos últimos quarenta anos os problemas, antes orgulhosamente sob controle na “Suíça da América Latina”, transformaram-se em grandes convulsões. Primeiro, de 1968 a 1973, foram os Tupamaros de Raúl Sendic que em sua violência tentavam repetir os feitos de Tupác Amaru, o inca que lhes serviu de inspiração; nos onze anos seguintes a trágica resposta da ditadura militar; logo o fracasso do neoliberalismo para desaguar na infindável crise econômica que levou 2 milhões à pobreza numa população de 3,5 milhões. Ainda assim, as tradições do passado se impõem. O país tem os mais altos níveis educacionais da região e seu PIB, de U$ 9.654 per capita, segue superior ao argentino e ao brasileiro que, apesar dos progressos nunca antes conhecidos da era Lula, não passa de U$ 8.400. Os dois principais candidatos às eleições presidenciais e parlamentares de 28 de setembro viveram essa época. A Frente Ampla do atual presidente Tabaré Vásquez optou pelo ex-guerrilheiro tupamaro José Mujica, 74 anos, enquanto os Blancos do Partido Nacional vão uma vez mais com Luis Alberto Lacalle (68 anos) que já foi presidente entre 1990 e 1995. Segundo as pesquisas, o quadro eleitoral é tão equilibrado quanto o de cinco anos atrás, quando à última hora a balança se inclinou para a esquerda e Vásquez evitou o segundo turno vencendo com 50,4% dos votos a Jorge Larrañaga, hoje vice de Lacalle. Situação e oposição (Blancos, Colorados e independentes) têm, cada qual, 46% das intenções de voto, restando 8% de indecisos.
Mujica é uma mistura de Dilma Rousseff e Lula, tendo passado quase quinze anos de sua vida na prisão. Não renega o passado guerrilheiro embora diga que a violência foi desnecessária e, sem nunca ter terminado a escola secundária, pratica um populismo reforçado pela farta distribuição da Tarjeta Alimentaria entre os mais pobres, uma bolsa-família de 20 e 50 dólares que o governo dá a 10% da população. O folclore em torno de seu nome inclui o palavreado chulo com que se dirige aos adversários e o famoso episódio do dia da posse no Senado quando o guarda, não o conhecendo, ao vê-lo estacionar sua lambreta, barba por fazer, perguntou-lhe: “se va a quedar mucho rato, Don (vai ficar por muito tempo)?”. A resposta, de pronto: “mire, si los milicos no me echan, me voy a quedar por lo menos cinco años (veja, se os militares não me tiram, ficarei pelo menos cinco anos)”. Hoje num Fusca usadíssimo, tenta suavizar o linguajar, dizendo que vai dar uma guinada para a direita como o fez Lula, para conquistar votos fora das classes “d-e”, os mais pobres. Seu programa de governo é erradicar a indigência tirando 350 mil uruguaios da miséria, dobrar os recursos para a área da segurança e instalar uma Comissão da Verdade para investigar crimes da época da ditadura. Junto com a eleição para presidente haverá um segundo plebiscito (o primeiro, em 1989, manteve a Lei) para anular ou não a Lei da Caducidade que impede o Estado de julgar militares e policiais por crimes anteriores a 1985. A experiência administrativa de Mujica, tida por amigos e inimigos como um desastre, resume-se aos três anos em que foi Ministro de Ganaderia, Agricultura y Pesca no governo Tabaré. Para compensar, a Frente Ampla deslocou seu candidato natural, o ex-Ministro da Economia Danilo Astori, sem apelo eleitoral, para concorrer como vice, na prática assegurando que o modelo de gestão econômica, semelhante ao brasileiro, não será alterado.
Lacalle, pelo Partido Nacional, cujo primeiro presidente foi Manuel Oribe em 1835, comandou o país na fase áurea do neoliberalismo, acompanhando – ao lado de Carlos Menem, Collor de Mello e do mexicano Salinas de Gortari – a tentativa de impor o ideário do Consenso de Washington, com as políticas de ajuste fiscal, de estado mínimo e de privatizações. O Uruguai, assim como todos os demais, até hoje paga pelos erros dessa época. Agora conta com o apoio da ainda numerosa classe média e dos funcionários públicos, o que lhe dá chances concretas de vitória no 2º turno um mês depois. A campanha dá ênfase a dois temas muito sensíveis para a economia uruguaia, com a criação de um bônus de segurança pública pelo qual a população investiria em títulos que custeariam a compra de equipamentos para a polícia, e a redução de impostos, como o de renda e de assistência à seguridade social (uma espécie de CPMF). É comum que o presidente tenha de governar com minoria no Congresso e o fiel da balança é o Partido Colorado, cujo candidato, Pedro Bordaberry, diz que “a única intenção do PC é de ajudar”, mas deixa claro que no país existem três partidos e não dois, ou seja, sem ele nada avançará.
A Argentina, no fundo, quer a derrota da Frente Ampla, para negociar com um novo governo o caso das fábricas de celulose no rio Uruguai, no momento sendo discutido na Corte Internacional de Haia. Já o Brasil de Lula prefere o líder tupamaro. A balança comercial entre os dois países favorece ao Brasil que exporta anualmente U$ 1,6 bilhão em insumos industriais, maquinaria e automóveis, importando U$ 1 bilhão em carne bovina, arroz, laticínios e cevada. Nas relações com os Estados Unidos de Obama, caso a Frente Ampla com Danilo Astori torne a vencer, o projeto de um acordo bilateral sem o aval do MERCOSUL voltará à mesa de negociações. O Uruguai segue a sina de seus vizinhos, Paraguai, Brasil e Argentina: os negócios e o povo estão melhorando, mas os políticos continuam lamentáveis.    


 


Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional. Autor do livro “Guerra en los Andes” (Ed. Abya-Yala, Quito, 2ª. Edição, 2008)