À meia noite de 3 de fevereiro de 1993, no comando de um grupo de oficiais das Forças Armadas o tenente–coronel Hugo Chávez Frías ordenou o bombardeio do palácio presidencial de Miraflores em Caracas visando derrubar pela força o governo constitucional do democrata Carlos Andrés Pérez. Ao amanhecer reconheceu o fracasso do golpe, mas nove anos depois assumiu o governo, eleito com 33% dos votos num pleito no qual a passividade e o desinteresse dos venezuelanos se traduziram numa abstenção de 40%. Nos treze anos seguintes implantou um regime neopresidencialista com forte apoio militar e submissão dos poderes legislativo, judiciários e da maioria dos governos estaduais. Agora se prepara para um novo mandato de seis anos em eleições de duvidosa confiabilidade marcadas para 3 de outubro próximo. Apesar da influência avassaladora da máquina estatal, corre o risco de ser derrotado por Henrique Capriles Radonski, 40 anos de idade e candidato único escolhido pela oposição da Mesa de Unidade Democrática – MUD, em primárias que reuniram mais de 3 milhões de pessoas.
Institutos de pesquisa de opinião, como tudo na Venezuela oficial ou paraoficial de hoje, são em geral pouco confiáveis e promovem uma guerra de previsões confundindo o eleitorado de 19 milhões de votantes. Alguns, nitidamente chapa branca, anunciam vitória arrasadora de Chávez, mas quatro das onze empresas do ramo publicaram resultados favoráveis a Capriles. Uma das mais insuspeitas, a Consultores 21, deu 47,7% das intenções de voto para Capriles contra 45,9% para Chávez, reduzindo surpreendentemente os ni-ni (nem um nem outro) a apenas 6,4%. Por esta estimativa, a oposição venceria no Distrito Federal e em nove estados, contra oito a favor da situação e outros seis com empate técnico.
O país importa 70% do que consome e a gestão da maior riqueza nacional, o petróleo, dá sinais crescentes de deterioração. Por falta de manutenção e de investimento, explosões na refinaria de Amuay, a segunda maior do mundo, causaram a morte de 43 pessoas e no complexo produtor de Paranaguá que inclui também as plantas produtoras de Cardón e Baja Grande, ocorreram 222 acidentes sérios em 2011. Os ganhos da estatal petrolífera, a PDVSA, financiam centenas de programas fora do setor energético, cabendo-lhe, por exemplo, a importação, compra e distribuição de alimentos da PDVAL, outra estatal que fornece alimentos ao país com reconhecida ineficiência.
O envolvimento internacional de Chávez tem sido um dos maiores sumidouros dos recursos venezuelanos e a abertura da caixa preta em que se transformou o apoio a regimes amigos é um desafio para qualquer futura administração. No momento, encontra tempo para reunir-se com Ahmadinejad e com o presidente iraquiano para costurar a sustentação do regime sírio de Al Assad. A Venezuela se limita ao ocidente com as FARC, já declarou Chávez, enquanto o canal de televisão Telesul, financiado pelo seu governo, continua sendo utilizado pela guerrilha para emitir suas declarações, com exclusividade nas notícias sobre sobrevivência das vítimas e no processo de sua libertação. A Venezuela acaba de comunicar à OEA sua saída da Corte Interamericana de Direitos Humanos, reagindo a condenações pela não apuração dos culpados pelos massacres de El Caracazo, El Amparo, Retén de Catia, desaparecimentos de Vargas e extermínio da família Barrios em Aragua.
Uma derrota de Chávez e uma sucessão pacífica são viáveis? A oposição procura reduzir o medo de consequências desagradáveis futuras (em passado recente os que votaram contra o governo perderam seus empregos) repetindo à exaustão que o voto é secreto. Chávez ameaça com a guerra civil caso o MUD vença, mas está preocupado ao ponto de pedir às famílias ricas que não estão envenenadas e são decentes que votem por ele, prometendo garantir a paz e a estabilidade. Programas populistas, tipo bolsa-família, asseguram o apoio dos mais pobres, mas os problemas aumentaram muito, envolvendo acusações de desrespeito às liberdades, aumento do narcotráfico e da corrupção, centralização do poder, intimidação dos que discordam, inflação e desabastecimento, desrespeito à propriedade privada, fuga de talentos e de juízes ou políticos perseguidos por delitos de opinião, ausência de independência do Judiciário e do Legislativo. Carlos Machado Allison, articulista do jornal El Universal, especula sobre o destino de Chávez em caso de derrota no pleito de outubro: transformar-se num pacato líder da oposição, no líder de um movimento armado, aposentar-se ou tomar o último voo para Havana?

 

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional