A Venezuela, que exportava petróleo a US$ 180 o barril, hoje o faz a US$ 65, ao mesmo tempo em que importa 90% do que consome. A situação não é nova. Quando Andrés Peres assumiu o governo em 1974 o país atravessava violenta crise econômica, mas a guerra entre árabes e israelenses quadruplicou o preço do barril de petróleo e o orçamento venezuelano teve que ser refeito às pressas para atender ao inusitado afluxo de novos recursos, saltando de 14 para 43 bilhões de bolívares, alimentando a volta do velho sonho da Grande Venezuela que passou a emprestar ou doar dinheiro América Latina afora. Uma orgia de megaprojetos rapidamente obrigou o governo a contrair vultosos empréstimos externos para pagar suas contas e o desespero reinstalou-se nos lares venezuelanos. Agora, Chávez de novo joga com a sorte, apostando que a cotação do petróleo voltará às alturas cobrindo num passe de mágica suas aventuras e dívidas. Num golpe de audácia, desvalorizou o Bolívar – a moeda nacional – fazendo-o valer o dobro na troca por dólares. Assim, os ganhos com a exportação de petróleo subirão neste ano de 47 bilhões para 94 bilhões de bolívares, uma verdadeira fortuna que servirá para financiar a campanha governamental na dura campanha que começa agora para as eleições legislativas de setembro próximo. O problema é que esta conta terá de ser paga depois pela população. Nos últimos dias a polícia já fechou 1.900 estabelecimentos comerciais (de 3.520 inspecionados) acusando-os de especularem, remarcando preços por causa da desvalorização.
A crise atual não é a mais séria que Chávez já enfrentou, mas os sinais de deterioração do seu modelo socialista-bolivariano são cada vez mais evidentes. Numa entrevista à revista Semana, o professor Ronald Rodríguez da Universidade de Rosário observou que por vezes não é a onda mais forte que afoga uma pessoa e sim uma sequência de aparentemente modestas marolas. Pelo menos sete fantasmas assombram os sonhos do coronel Hugo Chávez, ameaçando seu projeto de só deixar a presidência quando morrer: a) Insegurança. Hoje Caracas é a 4ª. Cidade mais perigosa do mundo, superada apenas por San Salvador, San Pedro Sula (Honduras) e Ciudad Juárez (México); b) Inflação. Está em 25%, a mais alta da região pelo quarto ano seguido, com perspectivas de saltar para 35% este ano devido à desvalorização da moeda; c) Crise energética, agravada pela seca, resultando em cortes de luz de 4 horas a cada dois dias (usuários dizem que duram bem mais tempo) e falta d’água. Na capital, o presidente teve de suspender os apagões, pois estavam afetando semáforos e hospitais; d) Protestos de rua liderados por estudantes devido ao novo fechamento da RCTV e de mais cinco emissoras (além da revolta contra os cortes de energia), com dois jovens mortos à bala em Mérida; e) Renúncias em série nos altos escalões. Desde dezembro renunciaram o Vice-Presidente e Ministro da Defesa junto com sua esposa que era Ministra do Meio Ambiente, o presidente do Banco Central, os Ministros de Energia e de Ciência e Tecnologia; f) Queda de popularidade de Chávez, de 61% após vencer o referendo revogatório para 46% em novembro último; g) Corrupção atingindo membros do governo próximos ao presidente, com destaque para o caso de Arné Chacón, irmão do Ministro de Ciência e Tecnologia, por fraudes no sistema bancário.
No entanto, nenhum desses pode, a curto prazo, desestabilizar um governo como o de Chávez, de rígida estrutura militar e com o apoio até aqui incondicional do partido Movimento V República e dos estratos mais pobres beneficiados pelos programas de ajuda social. O problema reside nos crescentes desacordos internos, na base do chavismo. De um lado, grupos de linha dura, como o Movimento Continental Bolivariano, criticam a corrupção e a burocracia como males que podem apagar a chama original da revolução. De outro lado, os militares parecem cada vez mais difíceis de controlar. A saída de militantes históricos (alguns foram companheiros de Chávez na tentativa de golpe de 1992) como o Vice e Ministro da Defesa Ramón Carrizález foi uma reação à nomeação de um grupo de oficiais cubanos para altos postos de direção das Forças Armadas, somada ao desencanto pela decisão do presidente de indicar ele próprio os candidatos do Partido Socialista Unido da Venezuela, o PSUV, recém criado pelo próprio Chávez. Uma vez que a oposição foi desarticulada e não tem líderes, pois todos foram presos, perseguidos ou estão exilados, os caminhos legais via eleições para uma troca de governo tornaram-se uma virtual impossibilidade. Na semana passada, no auge da onda de boatos que varreu o país, Chávez foi à TV para desmentir notícias de que havia sido deposto ou assassinado pelos militares. Seguiram-se novos expurgos de altas e médias patentes. O círculo de proteção em torno do presidente estreita-se, mas não há indicações de que possa romper-se.          


Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional.
Autor de “Guerra en los Andes”