Para Álvaro Uribe Vélez, a reforma constitucional que lhe deu a partir de 2006 o segundo mandato está sendo demasiado cara. Estava convencido de que vinha bem, com aprovação popular acima dos 60%, desmobilização de 32 mil paramilitares, modernização e aumento das Forças Armadas graças ao apoio norte-americano, queda no número e gravidade dos atentados terroristas e gradativo confinamento das Farc a regiões cada vez mais profundas da selva colombiana. Há, contudo, uma missão para a qual Uribe parece ser claramente incapaz: conseguir a paz para a Colômbia. Seu sucesso não impediu que as Farc permaneçam ativas (2200 militantes se entregaram nos últimos doze meses, mas outros 1800 foram recrutados), mantendo suas fontes de financiamento: seqüestros e narcotráfico. As guerrilhas, pressionadas como nunca, odeiam-no e não negociam, pois sabem que é preciso livrar-se dele se quiserem sobreviver. Este instável equilíbrio acaba de ser rompido pela agressiva intervenção de Hugo Chávez que, numa escalada de ofensas pessoais (Uribe é débil, cínico, incapaz, guerreiro) e ao governo colombiano, ameaça desestabilizar de vez as relações bilaterais.
 A solução é conversar, insistem os diplomatas, mas não há “química” de entendimento entre os dois. O colombiano, um advogado com especializações em Harvard e Oxford, foi de vereador a governador de estado antes de chegar à presidência, sempre como um político conservador e pró-ocidente. O venezuelano optou pela Academia Militar e chegou a tenente-coronel antes de dar um golpe fracassado e afinal eleger-se presidente nove anos atrás, transformando-se aos poucos em líder de esquerda e inimigo dos EUA. Por que, agora, teima em provocar o vizinho? Há razões secundárias: Chávez ofendeu-se por ter sido retirado da mediação do acordo humanitário com as Farc; quer exportar o bolivarianismo para a Colômbia; familiares dos seqüestrados pedem-lhe que, após ter conseguido a liberdade de dois reféns, prossiga negociando com as Farc para que soltem os outros 750. Nada disso, porém, justifica as ameaças e o deslocamento de tropas pela Venezuela para a fronteira (2.260 km. que inclui o prolongamento da cordilheira dos Andes, floresta amazônica e limites urbanos na região dos Llanos), a exemplo do que ocorreu há três anos logo após a captura pela inteligência colombiana do chanceler das Farc, Rodrigo Granda, em Caracas. Ao que tudo indica, trata-se de um caso de “bonapartismo (ou cesarismo)”, termo usado em relações internacionais para a estratégia de consolidação do domínio interno por meio da provocação artificial de um conflito externo. No fundo, Chávez pretende eternizar-se no poder em seu país. Ameaçado por três grandes fiascos – derrota no Referendo, reprimenda pública pelo rei de Espanha e fracasso da missão humanitária de dezembro em Villavicenzio -, aproveitou a notoriedade da libertação de Clara Rojas e Consuelo Rodríguez para propor o reconhecimento do estado de beligerância às Farc e ao ELN, sugerir novo plebiscito perguntando se “você está de acordo com a reeleição indefinida” e para desancar ao presidente da Colômbia, provocando-o na esperança de que ele não agüente as ofensas e corte as relações diplomáticas. Curiosamente, o “bonapartismo” pode também servir a Uribe, que almeja um 3º mandato.
No horizonte há três cenários possíveis: a) a disputa se esgota em poucas semanas, restringindo-se aos xingamentos pessoais; b) há uma evolução até a suspensão de relações diplomáticas, com implicações comerciais danosas para os dois lados (a Venezuela importa U$ 3,2 bilhões ao ano da Colômbia na forma de alimentos, veículos, têxteis, calçados, exportando U$ 1,2 bilhão principalmente petróleo e derivados. A escassez de gêneros de primeira necessidade tornar-se-ia crítica no lado venezuelano e o contrabando de gasolina voltaria, forçando a reversão do quadro em poucos meses; c) os dois países chegariam a confrontos armados na fronteira, a médio prazo poderiam ser fornecidos armamentos pesados às Farc e o conflito se tornaria mais sério, passando a depender de um deixa-disso internacional. O Brasil, que tem amplas fronteiras com os dois países, é um observador atento e preocupado, mas um improvável mediador devido aos constantes vai-e-vens da sua política continental.

* Escritor, analista internacional Autor do livro “Guerra en los Andes”