Yulia de volta ao poder

Vitor Gomes Pinto

Ela já foi uma das mais belas do mundo e em 2005 a revista Forbes classificou-a em 3º lugar entre as cem mulheres mais poderosas numa lista encabeçada por Condoleezza Rice e por Wu Yi, vice-ministra do governo chinês (hoje lidera a alemã Angela Merkel). Comparada a Joana D’Arc e cognominada Mãe da Nação, Yulia Timoschenko este mês completa 47 anos e, ao que tudo indica, está prestes a voltar ao poder como 1ª. Ministra de um governo de coalisão pró-ocidental na Ucrânia. Seu partido, o Bloco Yulia Timoschenko, BYuT, em aliança com o Nova Ucrânia/Autodefesa Popular do presidente Viktor Yuschenko, conquistou 228 cadeiras parlamentares nas eleições antecipadas de 30 de setembro, superando o Partido das Regiões de Viktor Yanukovych (atual 1º Ministro) que individualmente foi o mais votado e, com o apoio de outras agremiações pró-Rússia, chegou apenas a 222 deputados.
Famosa por ter liderado a Revolução Laranja que afastou o governo corrupto de Leonid Kruchma três anos atrás, Yulia foi nomeada 1ª. Ministra em 2005, mas permaneceu no posto por curtos sete meses, sendo demitida por Yuschenko depois de enriquecer com negócios de importação e produção de gás (a empresa que presidira anos antes foi privatizada), numa administração que levou a Ucrânia a níveis inflacionários crescentes e a uma forte crise econômica. Esperta, apesar de seu 1 metro e 59, no começo desafiou o mundo masculino com provocativas minissaias e saltos muito altos até chegar ao visual com que se exibe hoje, já mais madura, com a trança grossa rodeando a cabeça como uma coroa, tão tradicional nas mulheres do seu país e da vizinha Rússia. Ela encarna ao mesmo tempo o espírito nacionalista e a modernidade ocidental, tal qual uma Barbie protetora dos pobres. Sua plataforma agora é de melhorar a qualidade de vida e combater a corrupção, um mal crônico no país, mesmo depois de ter liderado um grupo de bilionários emergentes cuja especialidade era a de cuidar bem de seus negócios. Apoiou sempre sua filha, Eugenia, mesmo quando ela casou com o britânico Sean Carr, roqueiro do grupo heavy metal “Os estridentes do vale da morte”.
A Ucrânia tem dois grandes problemas para firmar-se como uma nação independente: a divisão ideológica e a dependência energética, reconhecidas pelo próprio presidente, que exige um ainda improvável pacto nacional como pré-condição para a candidatura a membro da União Européia. Acrescente-se a incômoda autonomia da ilha da Criméia no Mar Negro e a questão étnica. A etnia ucraniana representa 78% da população, mas os 17% de origem russa vivem nas áreas mais ricas do oriente e pressionam por seus valores (durante o Império, a Ucrânia era a Pequena Rússia). Alexander Iosseliani, consultor econômico em Kiev, julga que um verdadeiro pacto nacional ainda é inviável. Os mais velhos e os mais pobres não simpatizam com o capitalismo nem com o estilo ocidental de vida, valorizando os previsíveis padrões de vida soviéticos, com grandes corporações estatais que atendem às suas necessidades básicas. Preferem estabilidade e lideranças autoritárias ao invés de liberdade de expressão. Já os mais jovens buscam oportunidades, mais educação, querem integrar-se à comunidade internacional e preferem os valores ocidentais. Cada grupo vota segundo seus princípios e é radicalmente contrário ao outro.
  A dependência de fornecimento de petróleo e gás é uma herança do tempo de domínio da ex-URSS e, acima da questão econômica, trata-se de uma arma política usada sem muito pudor por Vladimir Putin. Agora mesmo a Rússia (na prática a poderosa Gasprom) suspendeu novamente o fornecimento de gás porque seu aliado Yanukovych perdera as eleições, pressionando por um arranjo político no Parlamento que o favorecesse. A Ucrânia importa 76% do gás que consome (46% da Rússia e 30% do Turcomenistão) e seus empresários se acostumaram a consumir energia a preços subsidiados, não modernizando suas fábricas e não investindo na produção nacional. A solução pode estar no gás metano das minas de carvão orientais, com reservas três vezes superiores às de gás natural do Turcomenistão. O metano ucraniano é só parcialmente explorado, usa tecnologia precária e é um grande poluente que contribui fortemente para a criação do efeito estufa. Para que se transforme num produto economicamente rentável e em energia limpa, requer uma política de médio prazo com investimentos elevados, algo que também necessita do entendimento entre as forças políticas que hoje se digladiam e se odeiam. A região mineira de Donetsk, ao leste, é um exemplo das dificuldades ucranianas. Há ali uma concentração de novos ricos (um é o proprietário do Shaktar Donetsk, time de futebol onde jogam cinco brasileiros que já o colocaram na liderança do grupo F na Liga dos Campeões européia) e muitos deles são russos que apenas precisam atravessar o Mar interno de Azov para voltar à sua pátria.
Yulia Timoshenko e Viktor Yuschenko terão de encontrar o caminho para uma união mínima com o grupo pró-Rússia. Seu tempo é de um ano, período em que a lei proíbe o Presidente de demitir a 1ª Ministra que ele está para nomear.


Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional