A tradição brasileira de agir pacificamente evitando conflitos desnecessários com outros países foi firmada solidamente desde os tempos do Barão de Rio Branco, quando consolidou praticamente sem derramamento de sangue as nossas fronteiras. É verdade, por um lado, que a Pena de Morte, embora abolida desde a Proclamação da República, chegou a ser admitida durante o Estado Novo e pela Lei de Segurança Nacional no período da ditadura militar de 64, e ainda hoje consta no Código Penal Militar (artigos 55 e 56, por fuzilamento). Mas, por outro lado, cabe lembrar que a última execução, do escravo Francisco por enforcamento, ocorreu em Pilar, Alagoas, em 28 de abril de 1876, e a partir daí nenhum caso mais foi registrado. Não existe, assim, justificativa histórica para o comportamento do Itamarati nestes últimos anos. Talvez porque o país com freqüência tenha ao mesmo tempo dois ministros das relações exteriores, os vexames internacionais se sucedem. Para apenas lembrar os fatos mais recentes, no ano passado o Brasil intrometeu-se na troca de presidentes em Honduras, chegando a dar guarida por largo tempo na embaixada de Tegucigalpa ao que fora afastado porque tentara desobedecer a Carta Magna do país perpetuando-se no poder. Depois, veio o caso do cubano Orlando Zapata em greve de fome contra o regime que o presidente Lula acusou de deixar-se morrer. Na ONU, o Brasil tem sistematicamente se negado a votar moções e medidas de condenação a regimes como os do Irã, Sudão, Coréia do Norte, Zimbabwe (onde a seleção de Dunga fez a cortesia de jogar um amistoso antes da última Copa), entre outros. Agora, o Itamarati volta a surpreender o mundo ao enviar uma carta aos paises-membro da ONU propondo que se evite censurar publicamente regimes autoritários, desconhecendo o fato de que este tipo de censura aberta tem sido uma das principais armas de pressão frente aos que contrariam abertamente o direito internacional e oprimem seus opositores. A moderna diplomacia brasileira considera que as práticas atuais não funcionam e devem ser aliviadas mesmo diante de governos que cometam atrocidades, optando por mais diálogo, de maneira que a censura pública passe a ser o último recurso do Conselho de Direitos Humanos. Obviamente, a proposta está sendo muito bem recebida pelos que têm sido acusados e não pretendem corrigir-se.
A correspondência brasileira vem ao mesmo tempo em que o regime de Mahmoud Ahmadinejad está prestes a executar por apedrejamento a Sakineh Ashtiani, acusada sem provas de adultério e agora de ter tramado a morte do marido. Seus dois filhos estão do lado da mãe, confirmam que o pai batia nela e que o casal não vivia junto há dois anos. O advogado da bela iraniana (da qual só se conhece o rosto, em foto sem a burka), Mohammad Mostafaei, teve de fugir para a Turquia (aliada do país dos Aiatolás), onde está detido pelas autoridades, logo que a justiça iraniana expediu uma ordem de captura e, irritada por não conseguir encontrá-lo, prendeu sua esposa, o sogro e o cunhado. A Anistia Internacional que tenta salvar do apedrejamento a nove mulheres e dois homens que estão nos cárceres do país, considera este tipo de pena como algo grotesco e inaceitável. O Irã, mesmo tendo firmado a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, é o único país que ainda executa menores de idade e hoje, de 140 condenados à morte, 71 são crianças e adolescentes.
O presidente brasileiro primeiro afirmou que é preciso muito cuidado porque as pessoas têm leis e regras, sabe, se começar a desobedecer as leis deles para atender aos pedidos dos presidentes, daqui a pouco há uma esculhambação (sic), mas depois disse que Sakineh poderia residir no Brasil se quisesse e se o governo de Ahmadinejad permitisse. Ela quis, mas a diplomacia iraniana recusou a oferta, o que motivou o comentário casual do ministro das relações exteriores do Brasil de que isso não será motivo para abalar as boas relações existentes entre os dois países.
Pelo menos nove de cada dez execuções nas 58 nações que mantém a pena de morte acontecem, pela ordem, na China, Irã, Arábia Saudita, Paquistão e Estados Unidos, com métodos que variam entre decapitação, apedrejamento, enforcamento, choques elétricos, fuzilamento e injeções letais. O costume, no Irã, é de privilegiar os homens, que são enterrados até a cintura enquanto são apedrejados, podendo defender-se por alguns minutos com as mãos, enquanto as mulheres ficam sob a terra até o busto. A lei muçulmana detalha que as pedras não devem ser muito pequenas que não causem dano e nem grandes demais para não liquidarem com a vítima muito depressa. O ano de 2009 terminou com 17.118 pessoas condenadas à morte em todo o mundo, mas este é um número muito subestimado, pois países como a China, Mongólia, Irã, Belarus, Vietnã, Coréia do Norte, executam parte de suas vítimas em segredo, receando improváveis reações de parentes ou do povo. Diante de tanto barbarismo, a atitude de quem permanece em silêncio ou protege os responsáveis pela sua prática contumaz, justifica a nota zero na disciplina de direitos humanos.