Robert Mugabe e seu partido, o Zanu-PF, arrasaram o Zimbábue, transformando-o num paria da sociedade internacional que há oito anos sofre pesado bloqueio econômico internacional, comandado pela ONU, Reino Unido e Estados Unidos. As razões principais foram violações dos direitos humanos e a reforma agrária que tomou terras e propriedades dos brancos, sem direito a indenização, entregando-as a familiares e amigos do presidente, a militantes do Zanu-PF e até a alguns sem-terra, desde que tivessem a pele negra. A inflação oficial é de 7.634% ao ano, mas analistas independentes a estimam em 25.000% e o FMI faz previsões de que chegará a 100.000% no final deste ano. Um decreto governamental de junho último cortou pela metade os preços dos principais produtos. O resultado: pão, carne, fubá e quase todos os produtos básicos sumiram das prateleiras dos supermercados, que se limitam a vender conservas. No mercado negro é possível comprar o essencial pagando quatro vezes mais, mas o sistema de transporte entrou em colapso pela falta de gasolina. Agora, também desapareceram dos olhos dos consumidores sabonetes, cremes dentais, chás e biscoitos.
Apesar disso, o presidente sul-africano, Thabo Mbeki, foi capaz de convencer colegas de outros treze países, reunidos em Luzaka (capital do Gâmbia) na cúpula da Comunidade para o Desenvolvimento da África Meridional, de que sua política de diplomacia discreta para com o Zimbábue deve ser mantida. O Secretário-Geral da organização, o moçambicano Tomaz Salomão, apresentou relatório dando sustentação à tese mestra de Mugabe, de que os culpados pela crise são os atores internacionais e não os erros da política interna. De nada adiantaram os protestos e os argumentos oposicionistas do Movimento para Mudanças Democráticas, inteiramente manietado pelos governistas. Mugabe, aos 83 anos, saiu fortalecido em seu discurso de que o caos econômico se deve unicamente à pressão vinda de fora e se prepara para, no ano que vem, concorrer a um quarto mandato.
No fundo, os países do sul da África querem manter a estrutura de poder que surgiu depois das guerras pela independência. O esquema de domínio montado no Zimbábue, transformado em símbolo de resistência política ao ocidente, é de alguma maneira similar ao que governa muitos dos seus vizinhos, que temem um efeito dominó no caso de queda de Mugabe. Apostam numa transição suave após a morte do ditador.
Mbeki, herdeiro de Nelson Mandela, tem apenas mais dois anos como presidente da rica África do Sul, pois está no segundo mandato sem possibilidade constitucional de reeleger-se. A sucessão, disputada por líderes do Congresso Nacional Africano – CNA – como o professor Jacob Zuma, o ex-sindicalista Cyril Ramaphosa e o empresário Tokyo Sexwale, está sendo ameaçada pela atual prefeita da Cidade do Cabo, Hellen Zille, da oposicionista Aliança Democrática e a única branca do grupo. Numa demonstração de que não está disposto a perder o poder, no último fim de semana o governo prendeu Zille por participar de uma passeata pacífica contra traficantes de drogas, acusando-a de incitar futuras violências. Zille, uma reconhecida ex-ativista pela igualdade racial, protestou: “a última vez que vi pessoas serem tratadas desta maneira foi durante os protestos anti-apartheid, pela polícia dos brancos”.
O CNA tem contra si as persistentes altas taxas de desemprego (40% da força de trabalho) e o fracasso no combate à epidemia de Aids. Mbeki saiu em defesa de sua velha amiga de exílio, a Ministra da Saúde Manto Tshabalala-Msimang, considerando-a uma heroína por ter tido, na sua opinião, a coragem de declarar que a medicação anti-retroviral não dá resultado e pode até causar a doença, propondo em seu lugar combater o HIV com produtos naturais como beterraba, alho e azeite. Tshabalala passou a ser chamada pela imprensa e pelo povo de Dra. Beterraba e Dra. Alho. A Academia de Ciências Sul-Africana teve de fazer uma pesquisa para concluir que “nenhum alimento ou componente de alimentos é uma alternativa efetiva a medicamentos apropriados contra o HIV e a Aids”. O arcebispo e prêmio Nobel da Paz, Desmond Tutu, considerado A Consciência Moral da Nação, lamentou o fato de que 900 pessoas morrem por dia na África do Sul devido à Aids, em grande parte devido às bizarras políticas de saúde pública do governo.
12% da população (5,5 milhões de pessoas) e uma em cada quatro na faixa de 15 e 49 anos está infectada pelo HIV. Há 600 mil órfãos (pelo menos um dos pais vitimado pela doença) e um estudo mostrou que os cidadãos sul-africanos gastam mais tempo em funerais do que em casamentos ou fazendo compras nos mercados. A situação, em termos de índices, é um pouco pior no Zimbábue, onde a pandemia afeta a 20% da população. A África do Sul, a terra das desigualdades e o Zimbábue, que adota um apartheid ao contrário, continuam unidos quando se trata de segurar o poder, mesmo sacrificando a democracia.
Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional
Autor do livro ZIM: Uma aventura no sul da África
(Conex/Nobel, 2006)