Quando Robert Mugabe deixou a missão de Kutama em Salisbury no ano de 1945 com um diploma de professor embaixo do braço, os missionários jesuítas que o viram nascer e o criaram não imaginavam que de 1980 em diante ele seria o ditador todo poderoso que conduziria o Zimbábue (até então era a Rodésia sob o férreo comando de Ian Smith) primeiro à independência e depois à falência.
O governante exemplar degringolou após a morte por um câncer de sua primeira esposa, Sally Mugabe, cuja capacidade de mantê-lo sob controle era vital para o país. Grace Marufu, a secretária (com quem já tinha dois filhos), que tomou seu lugar, permitiu que a ambição e o lado mais cruel do caráter de Mugabe viessem à tona. A independência foi uma complexa costura política que culminou no Acordo de Lancaster House em 1979 e a vitória nas urnas de Mugabe sobre o favorito Joshua Nkomo surpreendeu o mundo. Uma eleição depois da outra a oposição foi perseguida e inviabilizada, mas a crise econômica obrigou o partido do governo, o Zanu-PF (sigla em inglês da União Nacional Africana do Zimbábue – Frente Patriótica) a fazer concessões.
O Zimbábue, país de 13 milhões de habitantes situado no sul da África, começou efetivamente a afundar na segunda metade da década dos anos noventa, quando para garantir o apoio dos Veteranos de Guerra que o haviam levado ao poder, o presidente permitiu-lhes a tomada das terras dos brancos, sem pagar um só centavo de compensação.
O regime do “apartheid ao contrário” motivou invasões em massa preferencialmente das fazendas mais produtivas, numa espécie de reforma agrária que logo originou um caos no qual plantações e colheitas foram interrompidas e a falta de alimentos e a fome, auxiliadas por prolongados períodos de seca, encarregaram-se de lançar o país na mais dura crise de toda sua história. Diante da quebra unilateral dos contratos de propriedade, a Comunidade Britânica das Nações (a Commonwealth) afastou o Zimbábue e lhe impôs pesadas sanções econômicas, no que foi acompanhada pelos Estados Unidos e pela própria ONU.
Morgan Tsvangirai, 55 anos, líder do Movimento para a Mudança Democrática (MDC: Movement for Democratic Change), candidato derrotado por Mugabe nas últimas eleições, voltou a ser preso este mês quando marchava pelas ruas de Highfield, um subúrbio de Harare, à frente de uma comemoração religiosa. Antes já sofrera três tentativas de assassinato e desta feita foi espancado sofrendo uma fratura craniana, mas segue vivo e tentará a presidência nas eleições do ano que vem, mesmo sem chances reais de vitória, pois o sistema eleitoral é inteiramente influenciado pelo governo do Zanu-PF. Mugabe ― que aos 84 anos sem dúvida concorrerá uma vez mais ―, seus ministros e o chefe da polícia dizem que Tsvangirai caiu, machucou-se sozinho, é um provocador e quer dar um golpe e desestabilizar o país, como se fosse possível piorá-lo ainda mais.
Colocam a culpa dos problemas nacionais no bloqueio econômico, em Tony Blair e em George Bush, tentando justificar a inflação de 1.730% ao ano (um dólar já vale 260 dólares zimbabuanos), 80% de desemprego e o pior: 34% da população entre 15 e 49 anos contaminada pelo HIV ou com Aids.
Shonas e Ndebeles, os grupos étnicos principais, têm poucas alternativas para sobreviver com dignidade. Uma delas é a fuga para os países vizinhos, de preferência a rica África do Sul que mantém aberto o comércio com o país de Mugabe, ou para Zâmbia, Botsuana, Namíbia e Moçambique com os quais faz fronteira. A situação das mulheres e dos órfãos condenados à miséria ou à morte precoce causaram-me terrível impressão e, em boa parte, justificaram meu último livro (“Zim”, de Zimbábue), uma ficção inspirada na dura realidade africana que tem a Aids e as lutas entre negros e brancos como pano de fundo.
As cataratas Victoria no caudaloso rio Zambezi, búfalos, leões, rinocerontes, elefantes, girafas, crocodilos e antílopes de todo tamanho constituem uma realidade de selvagem beleza e em boa parte intocada, ao lado de cidades modernas e agradáveis como Harare, Bulawayo, Mutare ou Gweru. Quem conhece o país se encanta, mas raros são os que hoje se arriscam a entrar no agressivo Zimbábue de Robert Mugabe. As fazendas de fumo, as imensas reservas minerais, o turismo, são fontes de renda inesgotáveis para um país que sofre não só por ser parte da África subsaariana e sim, em grande parte, pelos problemas que inflige a si próprio.
Vitor Gomes Pinto
Escritos, analista internacional
Autor do livro ZIM, uma aventura no sul da África.