Em economia, muitas vezes dois mais dois não são quatro. A lição foi absorvida pelo povo do Zimbábue que aprendeu a lidar com uma inflação acumulada no ano que acaba de alcançar a espantosa taxa de dois milhões por cento. Ninguém mais presta atenção nos índices inflacionários, o Banco Central emite diariamente notas do dólar zimbabuano (cotado a 600 milhões por dólar norte-americano) com valor nominal correspondente aos preços e a vida segue seu rumo, submetida a um regime de escambo no qual se troca de tudo no mercado informal. Nas fronteiras com a África do Sul, Moçambique, Botsuana e Zâmbia o contrabando corre solto. Um kg de carne custa hoje 2,5 bilhões de dólares zimbabuanos e custava 30 milhões em janeiro; um sabonete vale 1,8 bilhão (era 2 milhões); um pãosinho está por 280 milhões (era 180 mil). Não é por esse motivo que os eleitores deixarão de votar no professor Robert Mugabe, nem pela sua idade (84 anos) ou pelo fato de que está há 28 anos no poder. Quem pode vai embora, como já o fizeram cerca de 3 milhões (o país tem 12,4 milhões habitantes) numa invasão sem precedentes de ilegais na África do Sul que gerou uma violenta onda de xenofobia  Seu adversário, Morgan Richard Tsvangirai do MDC, Movimento pela Mudança Democrática, ex-líder sindical, é mais jovem (56 anos), mas não tem grande apelo popular e seus assessores apostam mais no cansaço da população com o governo e no desejo natural de experimentar um novo presidente.
Desde que autorizou uma reforma agrária que tomou, sem indenização, as terras dos brancos para entregá-las aos negros com base num suposto direito natural, Mugabe é odiado pelo ocidente que lhe impôs pesado bloqueio econômico e afastou-o da Comunidade Britânica das Nações. Falando na Cúpula da FAO sobre segurança alimentar em Roma, Mugabe disse que sua reforma agrária é muito bem aceita pela maioria do povo, mas não conseguiu sequer ser convidado para o jantar de honra aos Chefes de Estado oferecido pela ONU e pelo governo italiano, ficando isolado na incômoda  companhia do iraniano Mahmoud Ahmadinejad.
Ninguém sabe o que ocorrerá no 2º turno das eleições nacionais marcadas para 27 de junho. Na volta inicial, a Comissão Eleitoral demorou 34 dias para anunciar os resultados e afinal disse que Tsvangirai vencera com 1,2 milhões de votos – 47,9% do total, contra 43,2% dados a Mugabe e 8,3% a Simba Makoni. Então o MDC ficou reclamando de fraude e demorou muito para decidir-se a não boicotar o novo processo eleitoral. Enquanto isso o ZANU-PF, partido do governo, com uma tropa de choque formada pelos veteranos da guerra de 1980, foi à luta no seu estilo. A estas alturas, 68 oposicionistas foram assassinados; Tsvangirai foi preso duas vezes na última semana com seu comitê de campanha; comícios da oposição não mais podem ser realizados; ONGs estrangeiras tiveram suas atividades proibidas; diplomatas ingleses e norte-americanos foram presos e viram os pneus de seu carro serem metralhados depois que não acataram ordem de, numa estrada, dirigir-se a um posto policial; na zona rural militantes do ZANU-PF intimidam os camponeses e funcionários públicos e policiais sabem que perderão os empregos caso votem no MDC, tornando-se comuns casos de espancamento e tortura. “Um voto na oposição é um voto perdido”, declarou Mugabe, cujo modelo parece ser o ditador queniano Mobutu Sese Seko que ao receber a notícia de que o presidente Kenneth Kaunda do Zâmbia havia perdido o pleito para Frederick Chiluba em 1991, declarou: “Perder uma eleição? Como? Isto é estupidez”. Tornando-se claro que uma eleição nessas condições não pode ser uma boa base para a recondução do país à democracia, cresce a pressão internacional para que haja um acordo entre Mugabe e Tsvangirai. Analistas independentes acreditam que o ZANU-PF só aceitou o 2º turno porque acha que na base da intimidação e se necessário da fraude pode vencer, não sendo uma tarefa fácil forçá-lo a negociar, embora não seja impossível. Mugabe ainda tem força para contestar ou simplesmente não aceitar um veredicto contrário das urnas, mantendo a situação atual e o Zimbábue no fundo do poço. 

Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional
Autor do livro ZIM, uma aventura no sul da África