O jornal ‘The Washington Post’ fez fama global com o caso Watergate, que em 1974 fez com que Richard Nixon renunciasse à presidência dos Estados Unidos. Essa história já foi contada no cinema, no filme ‘Todos os Homens do Presidente’ (1976), com Dustin Hoffmann e Robert Redford no papel de dois jornalistas do ‘Post’ que publicaram as matérias sobre o caso. Antes disso, porém, o jornal viveu momentos de tensão ao publicar outra história contra os interesses do governo americano, o caso do Pentagono Papers, em 1971. É essa a história narrada em ‘The Post: A Guerra Secreta’, dirigido por Steven Spielberg e que estreia nesta quinta-feira (25) em Curitiba.

Resumidamente, o caso do Pentagono Papers traz documentos secretos de como o governo norte-americano sabia desde sempre que a Guerra do Vietnã era uma fria (embora os governantes negassem), que pragmaticamente não valia a pena estar ali (idem) e como as estratégias de guerra se mostravam furadas (idem). Mesmo assim, uma vez dentro da guerra, os Estados Unidos não quiseram mais sair dela – e, dizem os Papers do Pentágono, era para evitar o risco de humilhação com a derrota. A história cai no colo do ‘The New York Times’, o jornal mais famoso dos Estados Unidos e historicamente oposicionista, seja qual foi o presidente. Mas o presidente da vez é Richard Nixon. Belicoso. Mentiroso. Vingativo. Claro que ele dá um jeito para que o caso não apareça mais nas páginas do ‘Times’ – o jornal vinha publicando tudo aos poucos, dado o volume das 14 mil páginas de documentos. E a história vai parar nas mãos do ‘The Washington Post’, através dos trabalhos dos repórteres e do editor.

Ao mesmo tempo em que o caso atrai a atenção do editor Ben Bradlee (Tom Hanks), a dona do ‘Post’, Kat Graham (Meryl Streep), negocia com banqueiros e investidores para dar fôlego financeiro ao jornal, que na época era pequeno e tinha uma pecha ruim de empresa familiar. Muitos acham que Kat está ali por acaso. O pai dela, antigo dono do ‘Post’, havia passado o comando ao genro dele, Phil, e Phil morreu cedo, deixando a viúva Kat como administradora desde os 45 anos (isso em 1963). Bem-intencionada, ela tem o intuito de fazer o ‘Post’ crescer. Mas ela é uma mulher na machista sociedade norte-americana dos anos 70. Ao mesmo tempo, os banqueiros e investidores se dizem bem avessos a terremotos como o que a divulgação do Pentagono Papers poderia gerar. Se Nixon provocou uma espécie de censura judiciária ao ‘NY Times’, imagine o que não faria no ‘Post’…

Bradlee, claro, faz o papel dele: insiste em publicar e invoca a primeira emenda da constituição dos Estados Unidos (O congresso não deverá fazer qualquer lei a respeito de um estabelecimento de religião, ou proibir o seu livre exercício; ou restringindo a liberdade de expressão, ou da imprensa). Os advogados do ‘Washington Post’, claro, fazem o papel deles: insistem em não publicar. Eles sabem que à Primeira Emenda contrapõem-se aquelas leis que os governos adoram criam para proteger a si mesmos, alegando coisas como segurança nacional.

A direção de Spielberg tenta equilibrar os momentos de tensão e consegue valorizar as interpretações de Hanks e principalmente de Meryl Streep – sua Kat Graham parece frívola, mas tem a coragem para fazer coisas, mesmo sendo malvista naqueles altos cargos de comando apenas e tão-somente por ser uma mulher. O maior mérito do diretor, contudo, é retratar como funcionava o jornalismo numa época em que não havia celular, nem internet, nem computador. Época em que o jornalismo era feito no muque (a cena em que um repórter tem que fazer uma ligação importante fora da redação e derruba as moedas diante de um orelhão é impensável nos dias de hoje). Época em que se valorizavam mais os repórteres, principalmente os bons. Época em que sempre havia a tensão de a manchete ser derrubada em cima da hora. Uma boa lição de como funciona a apuração de informações de verdade em contraponto aos tempos de hoje, recheados com desinformação, algoritmos e fake news. Apenas uma coisa não mudou: os governos, sejam eles quais forem, continuam afirmando que seus erros são sempre culpa da imprensa, seja ela qual for.


Filmes sobre jornalismo

A Montanha dos Sete Abutres (1951)

O repórter Chuck Tatum (Kirk Douglas) é talentoso, mas comete falcatruas e por isso não para nos empregos. Até que ele vai trabalhar em um jornal no Novo México e transforma a história de um caçador de tesouros (Richard Benedict) em uma sensação na mídia. Tatum começa a usar táticas inescrupulosas para tirar proveito da situação

O Jornal (1994)

Diante de um possível furo de reportagem, Henry Hacket (Michael Keaton), editor de um tabloide sensacionalista de Nova York, se vê no meio de um conflito entre sua carreira e sua esposa (Marisa Tomei), que está grávida e quer que o marido arrume outro emprego para passar mais tempo com a família. A chefe do jornal é Alicia Clark (Glenn Close).

Spotlight: Segredos Revelados (2015)

Um grupo de jornalistas em Boston, chefiado pelo veterano Walter Robinson (Michael Keaton, de novo), investiga o abuso de crianças por padres católicos, acobertados pela Igreja. Eles conseguem reunir documentos que podem provar os crimes cometidos e o envolvimento de líderes religiosos que tentaram ocultar os casos. Levou o Oscar de Melhor Filme

Todos os Homens do Presidente (1976)

Dois repórteres que trabalham para o ‘Washington Post’, Bob Woodward (Roberf Redford) e CarlBernstein (Dustin Hoffmann), pesquisam sobre o roubo de 1972 da Sede do Partido Democrático no condomínio Watergate — uma cena, aliás, que aparece rapidamente em ‘The Post’. Com a ajuda de uma fonte misteriosa, os dois repórteres fazem conexão entre os ladrões e um funcionário da Casa Branca.

Zodíaco (2007)

Durante os anos 60 e 70, a cidade de São Francisco vive com os ataques de um assassino maníaco chamado Zodíaco. o chargista iniciante Robert Graysmith (Jake Gyllenhaal) e o repórter cascudoPaul Avery (Robert Downey Jr. ), do jornal ‘San Francisco Chronicle’, tentam descobrir a identidade do assassino — junto com o detetive Dave Toschi (Mark Ruffalo) — e levá-lo à justiça.