Além de prorrogar o imbróglio jurídico que impede a liberação comercial dos produtos transgênicos, a última reunião de 2006 da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), encerrada no dia 14 de dezembro, revelou mais um desafio ao processo democrático. Apesar de a maioria de parlamentares ter aprovado em Congresso a Lei de Biossegurança que regulamentou o alcance da atuação da Comissão, uma minoria continua se valendo de subterfúgios para impedir que entre em vigor a lei democraticamente aprovada.
A negação do processo democrático usa como pretexto a suposta preocupação com questões ambientais em um estudo científico já reconhecido, aprovado e aplicado no mundo inteiro há anos, inclusive no Brasil. É sabido que a biotecnologia desenvolve microrganismos geneticamente modificados para a indústria farmacêutica, química e têxtil, entre outras, em um amplo campo de aplicação que inclui desde produtos para mineração a enzimas para a indústria alimentícia. Na área da saúde, há duas décadas a biotecnologia é empregada na fabricação de mais de 400 produtos médicos, vitamina C, hormônios de crescimento, anticorpos, medicamentos utilizados no combate à AIDS, produção de insulina e vacinas contra a Hepatite B.
Ora, se já há tantos produtos da biotecnologia em plena utilização no mundo inteiro, e se obedecem a rígidos critérios de controle de riscos à saúde e ao meio ambiente, porque toda essa resistência contra os transgênicos, especialmente no Brasil? A cautela e a experiência de outros países de nada servem para nós? Será mesmo que os cientistas brasileiros não são capazes de produzir avaliações sérias e isentas? A situação parece indicar que, na verdade, simplesmente prorroga-se a moratória à biotecnologia, que vem desde a aprovação da soja transgênica pela CTNBio, em 1998, como manifestação cega e antidemocrática, sem embasamento científico. Estabeleceu-se um entrave ideológico anti-capitalista e anti-globalização em torno de uma tecnologia que o Brasil tem enorme vocação para desenvolver. O artifício extremo dessa resistência é o recurso ao Judiciário, na velha fórmula de fazê-lo interferir no exame de conveniência conferido ao Executivo para, em última análise, tornar letra morta a decisão que veio do Legislativo, que afinal aprovou o uso da biotecnologia no País.
Se convém submeter à audiência pública um processo de aprovação de OGM, por que a própria CTNBio não convocou a audiência? Não será porque a sociedade nada tem a agregar de válido na análise técnico-científica a cargo da CTNBio? Como a lei faculta a CTNBio convocar audiências públicas, mas não impõe isso a ela, por que os que foram à Juízo confiam menos na CTNBio do que a própria lei o faz? Já foram feitas tantas intervenções nos trabalhos da Comissão, que muitos não têm dúvida de que se trata de impedir que a biotecnologia se desenvolva no Brasil. Nada a ver com o meio ambiente ou a saúde pública.


Antonio Monteiro é advogado do tradicional escritório Pinheiro Neto Advogados e membro do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB)


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