Depois de fazer estreia nacional na Mostra do Festival de Teatro de Curitiba, a peça Tumba de Cães está de volta para uma temporada no Teatro Lala Schneider, a partir desta quinta-feira (17/4). Fica em cartaz até 11 de maio, de quinta a domingo.
 
Ambientado em um mundo em guerra, o espetáculo Tumba de Cães, escrito pela italiana Letizia Russo e dirigido por Marino Jr., teve estreia nacional no Festival de Teatro de Curitiba deste ano. É uma história que transita no tempo, sem necessariamente pertencer ao passado: há alusões a guerras diversas e tempos distintos, ao mesmo tempo em que os personagens permanecem presos no espaço caótico da vida contemporânea.
 
As personagens são homens e mulheres degradados a uma condição de mera sobrevivência, de não fazer nada além de esperar. O foco do texto, escrito em 2001 logo após o 11 de setembro, mostra um círculo familiar fechado, em que o excesso de proximidade e o contexto de crise obrigam os personagens a mostrarem o pior de si. O texto aborda esse assunto com muita propriedade e com uma série de referências literárias.
 
Glauce (Simone Klein), uma viúva sem olhos, sentada em uma cadeira de rodas como se fosse num trono, nos lembra Édipo, ou ainda uma Hécuba condenada a ver o desaparecimento de tudo e todos. O filho dela, Johnny (Cristóvão de Oliveira), rejeitado pelo serviço militar por não ter as medidas de soldado, é condenado a viver a sua guerra pessoal em casa, com sua mãe, numa reminiscência de Hamm e Clov em Final de Partida, de Becket. O rapaz ainda mantém um relacionamento com a vizinha Mânia (Andressa Medeiros), que ao mesmo tempo aguarda o retorno de seu marido Luther (Daniel Marcondes) do front de Cinossema (um pedaço de mar onde, segundo a lenda, Hécuba teria morrido). Esse marido traído é referência clara ao retorno de Agamenon.
 
Somado a essas referências, temos o requinte extremo da escrita, que faz uso de repetições como os contos bíblicos ou populares. A recorrência de algumas palavras ou frases proporciona, conforme o caso, um efeito cumulativo ou diminutivo da expressividade e funciona como uma gramática em ação.
 
Tal estrutura foi mantida pelo diretor do espetáculo, Marino Jr., que, também devido a suas incursões pela Itália em 2003 e 2011, tem ótimo contato com o teatro europeu atual. Segundo ele, o macrotema apresentado no espetáculo não se resume a uma única guerra, mas aponta para várias: “Fala-se de uma guerra, que poderia ser o Afeganistão ou o Iraque de 2002, a Síria, a Palestina e a Ucrânia de hoje ou o Vietnã de 1975. Ou quem sabe um futuro conflito de grandes potências militares disputando hegemonia no leste europeu ou no norte da África. A genialidade do texto, que procuramos manter na montagem, é ter como foco principal os dramas individuais das personagens que transitam por este contexto mais amplo, da guerra. Esteticamente falando, a escassez de elementos auxilia a criar a atmosfera vazia de que o espetáculo necessita e nos aproxima de uma estética europeia”, finaliza o diretor.
 
A autora Letizia Russo esteve em Curitiba para assistir à estreia da montagem brasileira no Festival de Teatro de Curitiba deste ano. Considerada como expoente da dramaturgia contemporânea europeia, ela se mostrou contente com o resultado. “O trabalho foi excelente. Há uma grande capacidade dos atores de entrar na história, de se apropriar do texto e dos personagens”, disse na coletiva de imprensa do festival. Sobre a motivação que a levou a escrever o texto em 2001, afirma: “Minhas perguntas principais nessa peça tiveram a ver com os mecanismos que determinam alguns comportamentos: não conseguir agir, transformar o rancor em adoração e a adoração em ódio, fazer experiência de partes obscuras de si próprio e ter de lidar com um mundo cotidiano que deixou de existir”, comenta a autora, cuja obra já foi encenada na Espanha, em Portugal e na Alemanha e recebeu os prêmios Tondelli (2001) e UBU (2003), dois dos maiores reconhecimentos aos autores teatrais italianos.
 
Tumba de cães é um texto que convida o público a experimentar a forma e a ouvir. É um espetáculo que fala de vidas desperdiçadas, em que a inércia não é a ausência de movimento, mas um lento deslizar para a colisão frontal com o destino. Em um momento em que conflitos eclodem pelo mundo em parte por disputas territoriais, em parte pela disputa de recursos hídricos ou energéticos. O que menos falta são paralelos entre o mundo de hoje e o espetáculo teatral. Um grito de desespero, sem melodrama. Uma tragédia contemporânea.

Direção: Marino Jr.

Autoria: Letizia Russo.

Tradução: Rachel Brumana.

Elenco: Cristóvão de Oliveira, Simone Klein, Andressa Medeiros, Fernando Bachstein, Jader Alves, Pedro Henrique e Daniel Marcondes.

Cenografia e iluminação: João Luiz Fiani.

Figurino: Christine Conde.

Trilha sonora original: Thiago Lima.

Fotos: Ana Chris.

 

Local: Teatro Lala Schneider – Sala 2

Estreia: 17 de abril – 21h

Temporada: até 11 de maio.

Horários: quintas – 21h; sextas e sábados – 20h; domingos – 19h

Ingressos: R$ 20,00 e R$ 10,00

www.teatrolala.com.br/tumbadecaes