LUCAS VETTORAZZO RIO DE JANEIRO, RJ – Os dias que antecederam ao 28 de junho, data de um protesto marcado para o entorno do Maracanã, na partida entre Colômbia e Uruguai pela Copa do Mundo, foram agitados para a professora de filosofia Camila Jourdan, 34. Diálogos interceptados pela polícia com autorização da Justiça mostram que os ativistas passaram vários dias preparando “um material” para ser usado no protesto.

Não fica claro exatamente a que os envolvidos se referem porque eles parecem usar códigos, mas deixam escapar que estão fazendo “oficinas” na própria casa de Jourdan, no Rio Comprido, zona norte do Rio. O protesto reuniu poucas pessoas e a polícia reprimiu com violência a manifestação, fato que frustrou os planos dos ativistas, conforme mostram as gravações, às quais a Folha de S.Paulo teve acesso.

Naquele mesmo dia, a polícia informou que apreendeu uma sacola com 20 morteiros e 176 “ouriços” – material pontiagudo usado para furar pneus de carros. Por mais de uma vez Camila Jourdan fala algo que não deveria ao telefone e é repreendida por seu namorado, Igor D’Icarahy.

O inquérito diz que os ativistas conversam sobre coquetéis molotov e fogos de artifício. Para a polícia, “canetas” seriam morteiros, e “livros”, molotovs.

O advogado de defesa da professora diz que o inquérito é uma farsa. Em entrevista à Folha de S.Paulo, Camila não quis falar sobre as acusações contra ela que constam do inquérito.

Abaixo, a transcrição de alguns diálogos:

24/06 – 11h15 Em conversa com ativista identificado como Thales, Camila o convida para uma “oficina tradicional” Camila – Você não quer dar uma força numa oficina aqui de culinária (risos)? Thales – É o que? É pra levar alguma coisa? Camila – Não, não. É aquela oficina tradicional que a gente faz… Thales – Ah, sim, pode ser. Tá precisando da serrinha? Camila – Não, até tô com uma aqui. Era mais se você quisesse participar mesmo, porque outras vezes você deu uma força… Thales – Ah, beleza. Inclusive eu tenho dois que ficaram comigo um tempão Camila – Então, trás aí também.

24/06 – 18h40 Camila fala com ativista Bruno, que mais tarde aparece em várias outras gravações como sendo um dos responsáveis por transportar “um material” para a região do protesto. Camila – Olha só, amanhã tá confirmada a parada né? Bruno – Tá, tá sim. (…) Camila – Então, a gente tá marcando 11hs lá no “Espaço Outro” amanhã. Pra gente sair junto, 11h da manhã, não pode atrasar. Bruno – Pra ir junto pra quê? É oficina, né? Camila – Não, a oficina foi hoje, compa [abreviação de companheiro] Bruno – Ah, nossa, sério Camila – Amanhã é… Poxa, Bruno… Bruno – Tá, beleza, não tô lembrando, mas a gente fala depois. Camila – Eu não sei como fazer você lembrar, mas tem umas faixas que você tem que levar… (Risos) Bruno – Ah, tá Camila – Entendeu? Sério mesmo? Bruno – Sério, sério, de boa Camila – Sem isso não tem nada Uma mensagem do celular da Camila no dia seguinte para uma pessoa não especificada diz que “Alguém tem que pegar panos com Bruno, ele mandou uma mensagem dizendo que não vai poder”.

25/06 – 19h55 Camila fala com seu namorado, Igor, e deixa escapar que no dia seguinte haverá a continuação da “oficina de escudo” Igor – A gente precisa então amanhã de manhã se encontrar urgentemente Camila – É, vem pra cá amanhã de manhã. Vai ter a continuação da oficina de escudo amanhã de manhã Igor – Porra! Porra, Camila. Beijo. Boa noite.

28/04 – 2h05 Camila fala com a ativista Rebeca sobre o transporte do “material” Rebeca – Tem alguma coisa que precise saber bem mais cedo, quer que eu ajude? Camila – Preciso que você ajuda a levar aquele material que eu te falei Rebeca – Tou ligada

28h04 – 13h30 Próximo da hora do protesto, marcado para às 17h, Camila, nervosa, fala com ativista Rodrigo e pergunta pelo seu namorado Igor e por Bruno Camila – Cara, tá tudo fechado [aqui no Maracanã], eles não vão conseguir fazer o que eles se propuseram. A gente tá aqui, a gente tem que levar os negócios lá. Não consegui falar com eles. Rodrigo – Cara, não tem como Camila – Não sei o que eu faço Rodrigo – Sei lá, espera aí. Eles vieram aqui só pegar a bandeira Camila – Pô, eles saíram 9h da manhã e como chegaram aí só agora Rodrigo – Eles não fizeram o que tinham que fazer, Rodrigo, eu vou me matar

28/04 – 13h48 Camila liga para Igor e ele fala em mudança de planos. Os dois estão exaltados Igor – Eu tô chegando aí. Mudança de planos Camila – Você estacionou? Igor – Não Camila – Caralho, cara, porque não? Igor – Eu vou chegar aí e vou te falar Camila – Não, cara, não tem essa não. A gente tá saindo daqui. Vai com tuas paradas pra lá. Igor – Não sai, eu tô chegando aí (…) Camila – A rua tá fechada? Igor – Isso. Eu vou chegar ai (…) Camila – É uma falta de respeito com as pessoas que estão envolvidas nessa situação Igor – Não é desrespeito. Fica quieta e ouve. As coisas mudam, as coisas acontecem. Camila – Você faz merda, é diferente

28/04 – 17h28 Camila volta a falar com Igor. Ela está distante do protesto. Falam sobre revista que os policiais estão fazendo. Igor – Eles tão revistando todo mundo de mochila Camila – Não, a gente não vai para aí agora não Igor – Não, só tô falando Camila – Mas tem revista corporal? Igor – Não Camila – Ah, é nós

28/04 – 17h40 Camila fala com uma ativista não identificada que diz para não ir para o protesto Ativista – Olha, não tá bom aqui, cara. Não vem para cá. Eles tão revistando geral… Camila – Quando for para a gente ir você manda uma mensagem Ativista – Beleza, mas será que isso vai ter condição, eu não sei… Camila – Condição vai ter. Quando for pra gente ir avisa Ativista – Tá, beleza

28/04 – 17h42 Camila fala com Rebeca e pergunta se ela conseguiu “deixar as coisas” Camila – Conseguiu? Rebeca – O que? Camila – Conseguiu deixar as coisas lá, não né? Rebeca – Não, a gente tá parado, afastado, esperando ligação pra ir para aí (…) Camila – Eu tô distante também porque tá tendo muita revista Rebeca – A gente talvez possa até ir pra aí, estaciona o carro por perto e a gente fica aí de fora Camila – Eu acho que é mais difícil depois levar as paradas e levar

28/06 18h23 A polícia reprime de forma violenta o protesto e frustra os planos do grupo que aborta a “missão”. Camila liga para uma pessoa chamada Tiago Camila – Aborta a missão, sai da rua e some, entendeu? Tiago – Tá Camila – Some, foi todo mundo pego

29/06 – 20h29 No dia seguinte ela liga para o namorado, Igor, para saber como ficou o “material”. Ele tenta fazer com que ela pare de falar sobre isso no telefone. Ela diz que ligará para outros ativistas para saber sobre o “material” (…) Camila – Só vou perguntar se os livros estão bem Igor – Se você quiser ligar, liga, mas eu discordo Camila – A gente tem que saber onde foram parar as coisas. Isso não é brincadeira, não. Deu um trabalho do caralho. Igor – Então passa lá e fala com ele. Eu passo lá amanhã Camila – As canetas não tavam lá? Igor – Sim, sim. Depois a gente conversa Camila – Agora não vou ficar tranquila…

29/06 – 20h32 Camila liga para ativista Daguerre e pergunta se o “material ficou em segurança” Camila – Você sabe se os livros ontem ficaram em segurança? Daguerre – Ficaram, ficaram. Dá pra gente reaproveitar os livros. Não amassou e nem molhou. Depois eu te entrego eles. Camila – Mas não é aquilo que tava com você, não. Eram as coisas que estavam com o Marcel. Daguerre – Então, é isso mesmo. Camila – Aquilo que você foi levar é outra coisa. Eu tô pensando naqueles que iam chegar depois. Daguerre – Ah, ta. Aí não tem como te garantir. Até poderia te responder pessoalmente, melhor Camila – Mais ou menos, tô meio apreensiva Daguerre – Eu acho que aqueles a gente perdeu Camila – Todos? Daguerre – Aparentemente, sim. Mas não tenho como te dar certeza absoluta, mas quase todos os livros foram perdidos. Camila – Poxa, péssima notícia.

29/06 – 20h37 Camila liga para o namorado, Igor, e conta que acha que “perdeu tudo” Camila – Eu acho que a gente perdeu tudo Igor – Não perdeu não Camila – Eu não sei se você sabe do que eu tô falando mais agora Igor – Amanhã a gente conversa, fica tranquila, tá tudo bem Camila – Não, se perdeu não tá tudo bem, foram três dias de trabalho de muita gente Igor – Camila, para de dar “pala”, por favor.