A resposta ouvida pelo rei da Prússia, Frederico II, 1745, em Potsdam, de um dono de pequeno moinho, quando ameaçou expropriá-lo, externava a fé na justiça, convicto de que ainda havia juízes em Berlim. Desejoso de ampliar o castelo de Sans Souci, residência de verão próxima a Berlim, o monarca, um déspota esclarecido e com sólida formação cultural, propôs a compra da área. Recusada pelo moleiro por ali estarem enterrados os seus ascentrais. Ante a recusa, o rei ameaçou: Você bem sabe que, mesmo que não me venda a terra, eu, como rei poderia tomar-lhe sem nada lhe pagar. A surpreendente e altiva resposta, impactou o soberano: O Senhor! Tomar-me o moinho? Só se não houvesse juízes em Berlim. Frederico II recuou e desistiu da ampliação do castelo. O dono da propriedade ameaçada demonstrava a certeza de que o seu direito seria reconhecido pela justiça, mesmo lutando contra a Casa Real.
Há mais de 200 anos, nas terras germânicas, o poderoso rei da Prússia reconhecia que a Lei legitimaria o direito do súdito. Amigo do escritor francês Voltaire, Frederico II, era além do seu tempo. Décadas depois, com a Revolução Francesa, fundamentada na liberdade, igualdade e fraternidade, consagraria o Estado moderno, onde a harmonia dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário é a essência civilizatória das sociedades democráticas.
Essas reflexões tornam-se oportunas no momento em que o Brasil, pela ação da Justiça Federal, personificada no juiz Sergio Moro e marcante atuação do Ministério Público Federal e da Polícia Federal na Operação Lava Jato desmontaram o maior assalto de corrupção da vida nacional. As ações criminais, após as sentenças de primeira instância, conhecerão medidas protelatórias, claramente retardarias, provavelmente chegarão ao Supremo Tribunal Federal. O professor Oscar Vilhena Vieira, de direito constitucional da FGV (Fundação Getúlio Vargas), adverte: A Lava Jato ou qualquer processo judicial no Brasil, não está livre de acabar na prescrição. É uma questão do modelo constitucional que adotamos. A prescrição ocorre quando se encerra o prazo legal para o Estado executar a sua capacidade punitiva. O que leva a opinião pública a acreditar que o sistema jurídico favorece a impunidade.
É oportuno recordar a Operação Banestado-CC5, onde as contas secretas enviando ilegalmente recursos para o exterior, investigadas pela ação do Juiz Sérgio Moro, com o tempo as ações penais prescreveram. E os corruptos-deliquentes não foram punidos. Ou ainda: a Operação Castelo de Areia, onde evasão de divisas, lavagem de dinheiro, crimes financeiros e ilicitudes diversas foram amplamente comprovadas. O Ministério Público e a Polícia Federal encontraram provas materiais abundantes. Em 2011, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) anulou as provas com a alegação de a operação ter se originado de denúncias anônimas e escutas telefônicas ilegais. Em fevereiro de 2015, o Ministério Público de S.Paulo, recorreu ao STF (Supremo Tribunal Federal) objetivando reabrir o Castelo de Areia. O ministro Luiz Roberto Barroso (para quem apurar ilícitos é ponto fora da curva), negou o recurso com a alegação de que seria necessário o reexame de todas as provas. Vale dizer, os corruptos ficaram com o castelo e o Ministério Público e a Polícia Federal com a areia.
No caso da Lava Jato, o perigo é amplo. Existem os réus com foro privilegiado, no caso os políticos, tramitando os processos diretamente no STF. E os réus sem esse status que, condenados em instâncias inferiores, certamente buscarão a instância superior. A 2ª Turma do Supremo, composta por 5 ministros, já demonstrou ter divergências com o Juiz Sérgio Moro. Para o magistrado é preciso proteger a sociedade da ação criminosa, amparado na Constituição. Já a maioria dos ministros entende que as garantias e direitos individuais dos acusados devem ser respeitados. A inusitada escolha do ministro Dias Toffoli, para integrar o colegiado é uma interrogação. Indiscutível reforço para a teoria zavasckiana, exposada pelo ministro Teori Zavascki, antigo advogado do Banco Central, para quem delação premiada pode ser considerada medievalesca.
Como o tempo é o senhor da razão, vamos aguardar os próximos capítulos. Mas não é ignorando o alerta do advogado, professor universitário e conselheiro do Tribunal de Ética da OAB/Bahia, Luis Holanda: O histórico do Supremo Tribunal Federal é de total garantia para os criminosos ricos ou poderosos, principalmente para os condenados por corrupção, atividade considerada bastante segura para quem a pratica. Ultimamente, o suporte dessa regra é a chamada teoria garantista, na qual qualquer desculpa serve para libertar o criminoso.

Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Foi Deputado Federal (1978-1991)