Nem os adeptos do Estado mínimo ignoram que ele é um indutor do desenvolvimento. O planejamento estratégico é o corpo e o espírito da administração pública. Fixando metas e objetivos, buscando racionalidade e melhores resultados econômicos e administrativos. A sua ausência na gestão pública gera resultados de baixa eficiência e qualidade, em todas as esferas da administração, provocando a insatisfação na sociedade. O planejamento é o núcleo central dos governos responsáveis, permitindo a fixação dos seus programas de investimentos públicos. Opera como indicativo fundamental para os investimentos privados, o carro chefe do desenvolvimento. Quando o planejamento é ignorado e relegado a vontades de governos autossuficientes a crise socioeconômica é apenas questão de tempo, não ficando adstrita aos investimentos públicos, arrastando os investimentos privados. Com consequências desastrosas para a sociedade. Vivemos essa realidade no presente.
No Brasil, a Constituição no artigo 174 diz: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.” O texto constitucional define que pensar e projetar o País no curto, médio e longo prazo deveria ser inegociável programa de governo. Planejar o desenvolvimento definindo projetos e atividades, principalmente de longo prazo, vem sendo relegado a metas improvisadas e de curto prazo.
A história do planejamento no Brasil marca as décadas que se estenderam de 1940 a 1970. Nas décadas de 80 e 90, foi relativizado. E nas últimas duas décadas foi concretamente marginalizado. Na Europa, nos EUA ou nas principais nações asiáticas, o planejamento estratégico é parte fundamental dos seus projetos nacionais. A baixa qualidade da administração pública brasileira não é, portanto, obra do acaso. É responsabilidade direta dos governos que se sucedem, sejam federais ou estaduais. Um exemplo objetivo é o que acontece na gestão das obras públicas, onde grandes empreiteiras assumiram nos setores de infraestrutura a condição de planejadores dos investimentos nos seus canteiros de obras.
Historicamente a contratação de obras públicas é um escárnio. O advogado Massami Uyeda Junior, atuante há 25 anos no setor de infraestrutura, em “O Globo” (14-5-2015), afirma: “Já vi projeto que era um traço, mostrando que era preciso ligar o ponto X ao Y. Já vi estudo de viabilidade de obra pública baseado em foto do Google Earth”. Completando: “Falta planejamento. Toda contratação de obra pública tem um componente político. É compreensível que se trabalhe com o horizonte do mandato de um governante. Mas, para projetos de infraestrutura, é preciso pensar num prazo de oito, dez, 12 anos, do projeto à execução da obra. Precisam de estudos de viabilidade, de projeto básico e executivo”.
Datada de 1993, a Lei de Licitações 8.666, seria um porto seguro na disciplina das obras públicas. Ao contrário disso, transformou-se no estimulador de grande número dos escândalos de corrupção que vem inundando a esfera pública e privada nacional. Recentemente a Câmara dos Deputados instalou Comissão Especial para revisar a Lei 8.666; o Regime Diferenciado de Contratações, usado em obras federais; e o Decreto 2.748, de 1998, que regula os investimentos da Petrobrás, unificando os diferentes modelos de licitação em um único projeto. É iniciativa positiva. Mas precisa ir além disso.
Especialista em direito econômico, o jurista Modesto Carvalhosa, defende a criação de seguros nos contratos de obras públicas. Nos EUA, desde 1893, é realidade na administração pública. Ele exemplifica: “Nos EUA e em países europeus, não se ouve falar sobre escândalos de licitação. O seguro impede a interlocução entre o poder público, as empreiteiras e fornecedores. E garante que a obra será entregue no prazo, com a qualidade contratada e sem custo adicional”. Enquanto nos EUA, o seguro nos contratos cobre 100% da obra pública, no caso de falência da empreiteira, no Brasil o seguro varia na cobertura de 5% a 10%. Especialistas do mercado de seguros no País atestam que ele tem capacidade de absorção dos 100% em qualquer contrato. Deveria a Comissão Especial da Câmara, analisar a viabilidade de se adotar o vitorioso modelo nas “terras brasilis”. Certamente impediria o surgimento de futuros Lava-Jatos.

Helio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.