Falar em Oktoberfest de Munique é logo lembrar de cerveja, música, multidões e gemütlichkeit. Mas o que é realmente a Oktoberfest? Uma festa popular de celebração de colheita, festa pagã de origem religiosa?

Nada disso. Embora seja notória a jovialidade barroca da mentalidade dos bávaros, o que faz com qualquer pretexto seja motivo para festejar, coisa do jeitinho carioca de viver, daí a afinidade de quem vive na Bavária e nossas escolas de samba e carnavais.

Mas é preciso saber a raíz da Oktoberfest, a sua primeira realização. O motivo real foi um casamento. Em 12 de outubro de 1810 o príncipe Ludwig da Bavária, que se tornaria depois o Rei Loudwig I, casou-se com a princesa Therese de Sachsen-Hildburghausen. E, por decreto real, foi organizado um enorme festival popular em Munique, para marcar o casamento.

Uma corrida de cavalos foi sugerida pelo major Dall’Armi e um requerimento foi enviado ao rei para que o primeiro festival nacional bávaro fosse chamado de Theresienwiese, em honra da noiva. O requerimento foi aceito e o rei Maximilian aceitou a corrida de cavalos no evento anual, para tornar mais forte o sentimento do povo da Bavaria, que estava sendo reorganizada depois das guerras napoleônicas.

O primeiro festival de outubro foi um grande sucesso, atraindo 40 mil pessoas e o centro de tudo foi a tenda real, usada no final da corrida de cavalos. Nos anos seguintes surgiram algumas barracas para servir aperitivos, cerveja, cafés, que foram sendo multiplicadas em torno da tenda principal.

O segundo festival, em 1811, já incluiu uma exposição de produtos agrícolas, uma grande atração para o povo da Bavária. A cada ano o evento ganhou mais atrações e mais público.Um dos destaques era o estande de tiro, que tinha como alvo uma água de madeira. O prêmio era recebido pelo atirador que derrubava o último pedaço. Em 1835 o número de aficionados do esporte já chegava a mais de mil.

Muitas atrações exóticas apareciam a cada evento, como em 1820, quando Madame Reichard, aeronauta, apareceu com seu balão de gaz; Hans Steyrer conseguiu levantar um barril de 40 litros com apenas dois dedos, o que o fez ganhar o título de homem mais forte do mundo.

Gigantes ao lado de anões, o homem leão, Nago o sepultado, que conseguia sair do túmulo, cabarés e shows de todos os tipos atraiam multidões. Gente famosa surgia nos palcos e personalidades curtiam as justas medievais, tentando acertar anéis pendurados em mastros, ao passar a cavalo em disparada. Até corridas de bigas romanas faziam parte das novas atrações.

O festival atraia sempre mais gente e acabou sendo a festa nacional da Bavária, tendo já um Rei com símbolo, abrangendo todas as camadas da sociedade, desde camponeses que ganhavam medalhas e fitas com seu gado ou cavalos, e podiam socializar com gente das camadas mais altas. O ponto alto da festa foi sempre a cerveja, muita música e folclore.

Uma mudança fundamental aconteceu em outubro depois da revolução de 1918. Aí o Festival nacional da Bavária passou a ser apenas o festival de Munique, já que o evento era considerado importante para a economia da cidade. O desfile de personalidade, o encontro da alta sociedade, as corridas de cavalos deixaram de existir, e a exposição agrícola perdeu parte do seu brilho.O centro de tudo passou a ser os imensos pavilhões das cervejarias e as atrações eram entretenimentos técnicos, mecânicos. Como trenzinhos sobre trilhos e, principalmente, a roda gigante.

Como evento popular, a Oktoberfest acaba sendo o espelho da sociedade de época. Hoje é a música no mais alto som e as instalações cheias de brilharecos estão sempre presentes. Os trabalhos iniciam com a aplicação das concessões, já que as autoridades locais controlam a distribuição de espaços, exigindo competência. Até no campo de shows e catering. Os escolhidos formam associações como a Wies’n- Barone, exclusiva e poderosa, cujos membros fazem uma entrada solene na primeira semana do festival, lembrando a alta burguesia do século 19.

As regras para as cervejarias são bem definidas, com tabelamento de preços e luta pelo mercado. Já vai longe o tempo em que o festival da Bavária apresentava cervejas de várias regiões, e até da Áustria. Hoje até as novas pequenas cervejarias artesanais são banidas da festa. Depois que fica definida a lista dos participantes, começam os meses de preparativos, até que os tiros de canhão anunciem a abertura do festival.

É o prefeito quem abre o primeiro barril, num verdadeiro ritual. É uma ocasião especial, quando até o primeiro ministro participa do desfile. Faz lembrar os tempos da monarquia bávara. Começado o festival, cada participante sabe seu espaço. As mesas dos principais restaurantes ocupam sempre as mesmas tendas e, quase sempre, as garçonetes são as mesmas também, ano após ano. Os frequentadores costumeiros podem até reivindicar sentar no mesmo lugar à mesa, porque quanto mais o cidadão aparece durante o festival, mais é bem recebido.

Os grandes pavilhões da Oktoberfest são como palácios e demandam meses na sua construção, decoração e arranjos que devem abrilhantar ainda mais a festa. Quando as garçonetes aparecem carregam os imensos copos de cerveja, todos ficam imediatamente sedentos. Basta olhar para os canecos com bastante espuma, como é preferência local. Junto com a cerveja chegam os pedaços de frango ou galinha, as salsichas e a infalível salada de batatas com a rosca salgada, a famosa pretzel.

Estrangeiros e visitantes ocupam qualquer lugar vazio, mas a cerveja correndo solta torna fácil o início de amizade, quando os nativos convidam seu vizinho outsider para um caneco da loura gelada ou um prato de queijo. Os locais não sobem nas mesas ou cadeiras para dançar, já que esses excessos fazem parte da literatura turística.

É sempre bom seguir os cidadãos da Bavária e ver quais são os lugares mais populares, como a Augustinerhalle ou a Hackerzelt. A tenda de tiro também merece uma visita. Fica mais complicado entrar na tenda da Hofbräuhaus, sempre lotada de turistas, que fazem o inglês ser a língua mais falada no recinto. Para os turistas chegou a ser impresso um folheto com regras de como se comportar na festa. Celebridades do momento costumam se reunir no Käfer’s, aos pés da enorme estátua de bronze em honra do artista e cientista alemão, mandada erigir pelo rei Ludwig I.

É no Käfer’s que o turista vai encontrar os locais vestindo trajes típicos coloridos e homens usando as bermudas de couro. Claro que encontrar lugar fica ainda mais difícil. Daí é melhor procurar o Fischer Vroni’s para um steckerlfisch ou um pato assado, na Heimer’s. A visita da Oktoberfest fica mais completa com um passeio pelos shows tradicionais, como o circo das pulgas ou o Schichitl, que é uma instituição de mais de um século apresentando uma execução na guilhotina. Outro destaque é a Elektrokrinoline, um carrocel acompanhado por uma banda de metais.

A típica combinação de amêndoas torradas, pretzels, queijos e até docinhos turcos (Turkisch delight) com os canecos de cerveja ajudam nas caminhadas. Quem ainda tiver ânimo pode ficar até uma hora da manhã no hipódromo, uma mistura de ring de apresentações, beer Garden e bar de champanha. Todo mundo é convidado para a Oktoberfest. Uma única regra, que deve ser levada a sério: não tente levar sua cerveja de casa…

Em dois séculos, a Oktoberfest original deixou de ser realizada 25 vezes, consequência das guerras e de epidemias. Hoje recebe mais de dez milhões de pessoas, gera 12 mil empregos todos os anos. E está completando quase dois séculos.

  Fotos: Divulgação
A grande festa da cerveja em Blumenau será entre 7 a 25 de outubroFoi o casamento do  príncipe Ludwig com a princesa Therese von Sachsen-Hildburghausen o inicio de uma tradição de quase duzentos anosNa primeira Oktoberfest não havia cerveja, mas teve muita animação
Jovens bonitas, carregando muitos canecos da loura gelada, também atraem turistasA abertura da festa acontece com o ritual de abertura do primeira barril de chopeCorrida de cavalos foi uma das grandes atrações da primeira Oktoberfest

OKTOBERFEST EM SANTA CATARINA
Tudo começou com uma grande enchente no Vale do Rio Itajaí-Açu, típica da estação. Blumenau virou notícia negativa nas televisões e jornais . O secretário de turismo da época resolveu fazer do limão, limonada. Contratou bandas típicas da Alemanha, fez acordos com a Lufthansa para o transporte de cervejas da Bavária, salsichas e organizou a festa, em 1983. Em 1987, na quarta edição, divulgada em todo o Brasil, a Oktoberfest brasileira ganhou fama e muitos turistas. Em 1998 foram vendidos 500 mil ingressos nos 18 dias do evento. O numero marca apenas quem comprou entrada para a festa , no recinto fechado da Proeb, porque na verdade o número de visitantes na cidade é sempre muito maior.

Uma festa que acabou sendo considerada como uma das maiores do mundo, imagine. Os festivais se multiplicaram em torno de um tema econômico regional e os temas foram os mais diversos: Fenarreco (Festa Nacional do Marreco) em Brusque, Marejada em Itajaí (de origem portuguesa), Schüzenfest (Festa dos Atiradores) em Jaraguá do Sul, Kegelfest (Festa Nacional do Bolão) em Rio do Sul. O chope, sempre presente.

Além do chope, os trajes típicos, os shows folclóricos, as comidas animam os foliões do carnaval da cerveja: catarinenses na sua maioria, seguidos dos paulistas, cariocas, mineiros, gaúchos, nordestinos e até estrangeiros.

Não pense que Santa Catarina é uma réplica apenas da Alemanha. Sua história é uma mistura de nacionalidades, um capítulo escrito no século XVI, quando os europeus buscavam um caminho para as Índias. Expedições espanholas, portuguesas, francesas e inglesas tentavam encontrar uma passagem do Atlântico para o Pacífico. E chegaram ao Sul do Brasil.

Em 1515 a expedição espanhola comandada por Juan Diaz Solís chegou ao Rio da Prata.O navegador foi morto pelos indígenas. Os sobreviventes, tentando o retorno, sofreram um naufrágio perto da Ilha de Santa Catarina. Onze exploradores se salvaram e conseguiram contato mais amistoso com os índios locais. Foram os primeiros europeus a habitar as terras onde hoje está o Estado de Santa Catarina.

A beleza das garçonetes nem sempre foi uma realidadeO principe Ludwig tornou-se mais tarde o rei Ludwig IE vamos de valsa e de danças folclóricas, que a festa dura mais de duas semanas
Em Munique a Oktoberfest começa ao meio dia de 19 de setembro, terminando em 4 de outubro às 23h30. O grande coração de pão de mel pode ser o início de um doce relacionamentoMúsica, trajes típicos, folclore: Oktoberfest mantém a cultura alemã no BrasilLudwig e Therese, protagonistas de uma das maiores festas do planeta

Nas décadas seguintes passaram pela região diferentes expedições, que faziam ponto de apoio e abastecimento das navegações pelo Atlântico Sul. Mas só em meados do século XVII uma família inteira de origem europeia estabeleceu-se por lá. Foi o início do povoamento do litoral sul do Brasil, com a instalação de bases militares para apoio a operações no Rio do Prata e defesa das terras dominadas pelos portugueses.

Portugal incentivou a imigração para facilitar o abastecimento das tropas, promovendo o desenvolvimento da economia local. Cerca de 4.500 habitantes do arquipélago dos Açores viajaram para o Sul do Brasil, trazendo a tradição portuguesa para Santa Catarina, hoje representada no artesanato de barro, na renda de bilro, na arquitetura, na culinária e até na maneira cantada de falar, principalmente nas comunidades de pescadores de Florianópolis.

Os descendentes dos açorianos ocupam uma área que corresponde a 26 municípios do litoral e interior catarinenses. Os imigrantes da Alemanha começaram a chegar após a Independência do Brasil, em 1822, estimulados por um programa de incentivo à colonização de áreas do interior. Os primeiros estabeleceram-se em São Pedro de Alcântara em 1829, no interior. Outros imigrantes fixaram residência onde hoje estão as cidades de Blumenau, Joinville, Pomerode, Jaraguá do Sul e Brusque, entre outras. São cidades em torno do vale do Itajaí, no norte do estado, onde as tradicionais da Alemanha são mantidas: restaurantes servindo marreco recheado com repolho roxo e maçã, casas em enxaimel, muito artesanato e música típica.


As primeiras Oktoberfest começaram por causa do sucesso das comemorações do casamento das casas reais

No fim do século chegaram os italianos, ocupando os vales dos rios Tijuca e Tubarão, onde introduziram videiras, produção de vinhos, gastronomia de massas e embutidos, principalmente em Urussanga, Videira, Rio do Oeste e Nova Trento. Outros povos europeus aderiram à imigração , como poloneses e austríacos. Treze Tílias, no meio do oeste de Santa Catarina, conserva as tradições da Áustria, enquanto São Bento do Sul preserva a cultura polonesa no estado.

Para conhecer tudo o que há de bom no estado vizinho, há uma vintena de circuitos turísticos, mostrando as cidades de culturas germânica, açoriana, italiana, austríaca, polonesa. Florianópolis, o litoral, a neve nas serras, o turismo rural, o das águas termais, ferroviário, religioso, ecológico, esportivo, da natureza e dos parques. E das compras, das festas, dos passeios náuticos, dos eventos especiais e dos negócios. Aproveite a Oktoberfest, a maior festa da cerveja das Américas, e a segunda no mundo, para esticar a viagem e conhecer melhor a terra de todos os imigrantes.