O MDB foi a grande frente de oposição que, na travessia adversa, lutava pelo Brasil democrático. Recentemente conversava com o amigo e advogado Oswaldo Macedo, ex-deputado estadual e federal, por vários mandatos, pelo Paraná. Relembrávamos a notável atuação do timoneiro Ulysses Guimarães. Percorria o território nacional fincando a bandeira do MDB, criando diretórios municipais e estaduais. Eram tempos difíceis e perigosos. Com intimorata coragem cívica, ao lado dos seus companheiros, nunca desistiu da missão suprema. Em 1974 apresentava-se anticandidato com o notável Barbosa Lima Sobrinho, na vice, no colégio eleitoral contra o general Ernesto Geisel. Como um D.Quixote ecoava no gesto as esperanças democráticas da sociedade. O MDB nunca admitiu a violência, fazendo da pregação da liberdade o seu ideário.
Fincou raízes em todos os quadrantes do Brasil. Em 1980, ante o crescimento do MDB, o governo João Figueiredo extinguiu os partidos. Existiam dois, o outro era a Arena que dava apoio ao Estado autoritário. Diante da nova realidade, Ulysses convocou reunião, da qual participei. Nela, o saudoso senador Marcos Freire, sugeriu que deveria ser acrescentado o P ao nome da legenda, para dar continuidade à resistência democrática. Nascia o PMDB que nos anos seguintes permaneceu fiel herdeiro da legenda histórica. Em 1982, restabelecida a eleição direta para os executivos estaduais, elegeria diversos governadores e aumentaria as suas bancadas parlamentares em todos os níveis.
Agora a nova etapa era defender a eleição direta para a Presidência da República. Em 1984, a emenda Dante Oliveira, que defendia eleições diretas, foi derrotada pelos parlamentares governistas. Ulysses e os seus companheiros iriam mobilizar os brasileiros, em memoráveis comícios pelo País, para a disputa indireta. O governador Tancredo Neves, de Minas Gerais, seria o candidato. Foi ao Colégio eleitoral e ganhou a disputa. Na sua vice, a surpreendente dissidência oficial do partido governista, o PDS, presidido até dias antes pelo senador José Sarney, o indicou para compor a chapa. Ressalte-se que antes, presidente da Arena, ele fora fiel e obediente serviçal de tudo aquilo que combatíamos. A tragédia inesperada da morte de Tancredo faria de José Sarney presidente da República.
Diante do perigo de morrer na praia, após tantos anos de resistência, o PMDB elegeu Ulysses Guimarães, presidente da Câmara dos Deputados. Seria o fundamental contraponto. Convocaria uma Assembléia Nacional Constituinte, instalada após as eleições de 1986, elegendo-se presidente. Comandou a aprovação da Constituição que trouxe inegáveis avanços para o Estado Democrático de Direito. Admirador de Fernando Pessoa, para quem toda luta vale a pena, quando não se tem alma pequena, emocionou-se ao proclamar a Constituição cidadã.
Infelizmente a tragédia da morte de Tancredo deixou raízes profundas. Ainda na Constituinte, alguns dos seus quadros históricos saíram do PMDB em direção a outros partidos. O grupo que reuniria paulistas, mineiros e paranaenses fundaria o PSDB. Mesmo com a permanência de muitos valorosos companheiros, Ulysses seria depois atropelado e ficado minoritário. A legenda havia abrigado velhos serviçais dos tempos autoritários e vários tipos de aventureiros patrimonialistas, apagando a história de resistência do MDB. Em 1990, candidato a reeleição de deputado federal, Ulysses quase não se elege, sendo o último da legenda com cerca de 40.000 votos. Em 1986, obtivera a consagradora votação de 536.000 votos.
Não satisfeitos por vê-lo reeleito, preparariam o golpe final no assalto planejado à estrutura partidária. O depuseram da presidência do PMDB, entronizando Orestes Quércia, no comando do PMDB. Começava ali a cruzada infame de transformar o partido no que é hoje: uma federação de oligarcas estaduais onde se é possível encontrar de tudo. Passou a ser apoiador de qualquer governo de plantão, levando o patrimonialismo brasileiro a um novo patamar que se estende aos dias atuais.
Os golpistas não estavam ainda satisfeitos. Em 1991, a Câmara dos Deputados, comandada pelo PMDB, negaria apoio a Ulysses, desejoso de ser presidente da Comissão de Relações Exteriores. Ante o ato ignominioso, o PFL liderado pelo saudoso Luís Eduardo Magalhaes, dono de caráter e coerência admirável, o indicou para presidência da importante comissão. Fato pouco conhecido e omitido pela imprensa nacional ao longo dos anos. Ele retrata o nível de degradação de cínicos oportunistas, ainda hoje viventes no cenário da pequena política brasileira.
Por fim, em 1992, ao lado do amigo e ex-senador Severo Gomes morreria na queda do helicóptero no mar na região de Angra dos Reis. Tem o oceano Atlântico como sepultura, seu corpo nunca foi encontrado. Em 1989, quando deixava a presidência do legislativo, na sua despedida bradou: A Câmara dos Deputados da minha pátria é incorruptível. Se tivesse sobrevivido, morreria novamente, de vergonha.

Helio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Unesp