ARTUR RODRIGUES SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Polícia Militar cumpriu na manhã desta sexta-feira (6) reintegração de posse e retirou os alunos que ocupavam o Centro Paula Souza, na região central de São Paulo. A execução do mandado teve início por volta das 6h40. O prédio da entidade responsável pelas Etecs (escolas técnicas do Estado) estava ocupado desde o último dia 28 por estudantes que reivindicam o fornecimento de merenda. O cerco da PM foi rompido pelos manifestantes e houve confusão. Vários alunos foram arrastados para fora do prédio. O estudante João Pedro Constantino, 18, que estava dentro da unidade, afirmou que os estudantes preferiram permanecer dentro do local para mostrar que era possível resistir. “Quando a PM chegou lá dentro foi totalmente truculenta, saiu carregando a gente”, disse. Parte dos alunos que deixaram o Paula Souza seguiu em protesto pelas ruas do centro da capital e fechou no sentido centro-bairro a avenida Tiradentes, onde fica a Etesp (Escola Técnica Estadual de São Paulo). Os alunos queriam entrar na escola, mas foram impedidos pela PM, que utilizou cassetetes para conter os estudantes. Quando a Tropa de Choque chegou ao centro, por volta das 5h, estudantes aguardavam em cadeiras escolares cantando músicas de protesto. “De repente chega a PM com a cara de mau, a bomba de gás, de efeito moral”, cantavam os jovens. O batalhão com dezenas de homens vestidos com exoesqueletos chegou com ao menos três veículos blindados, além de vários carros de polícia. Por volta das 5h30, eles bloquearam a rua dos Andradas, onde fica o centro. “Não tem arrego, você tira a minha merenda e eu tiro o seu sossego”, gritavam os estudantes. Moradores dos prédios ao redor gritavam reclamando por silêncio, ao que eram respondidos pelos jovens: “ei, burguês, a culpa é de vocês”. Na tarde quinta-feira (5), o governo Geraldo Alckmin (PSDB) conseguiu reverter em segunda instância decisão judicial sobre a reintegração. A sentença exigia que a desocupação ocorresse sem o uso de armas letais ou não letais pela Polícia Militar e obrigatoriamente com a presença do secretário da Segurança, Alexandre de Moraes. O governo foi então à Justiça sob o argumento de que a decisão ou não de usar armas cabe à PM. No pedido para reverter as exigências, o governo também alegou que a ocupação vem causando “severos transtornos para o Centro Paula Souza”. O Centro Paula Souza afirma que todas as Etecs passaram a contar com alimentação -antes, 10% delas não tinham. LITÍGIO O governo Geraldo Alckmin (PSDB) conseguiu reverter em segunda instância decisão judicial sobre a reintegração de posse na sede do Centro Paula Souza, ocupado por estudantes desde a semana passada. A sentença exigia que a desocupação ocorresse sem o uso de armas letais ou não letais pela Polícia Militar e obrigatoriamente com a presença do secretário da Segurança, Alexandre de Moraes. O governo foi então à Justiça sob o argumento de que a decisão ou não de usar armas cabe à PM. As duas exigências foram impostas pelo juiz da Central de Mandados, Luis Manuel Pires, para que a Secretaria da Segurança pudesse retirar os alunos do espaço no centro da capital. A pasta considerou as exigências “ilegais”. O prédio do Centro Paula Souza está ocupado desde quinta-feira (28) por estudantes que reivindicam o fornecimento de merenda nas Etecs (escolas técnicas). A entidade é responsável pelas escolas técnicas do Estado. DECISÃO O desembargador Rubens Rihil, da 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça, deu razão ao governo e afirmou que o juiz de primeira instância “extrapolou” o que havia sido estabelecido em decisão que concedia a reintegração de posse. “A exigência da presença física do senhor secretário da Segurança Pública extrapolou, em muito, o que fora anteriormente estabelecido. Ademais, nos moldes como proferida, a decisão administrativa resvala em ingerência em outro Poder do Estado, o que deve ser evitado”, escreveu o desembargador. O magistrado Rihil também afirmou que “caberá ao comandante da operação de reintegração de posse analisar a conveniência ou não do uso da força e dos recursos necessários, na proporção adequada para o cumprimento da liminar, tendo-se em vista, sempre, a preservação do patrimônio e a integridade física dos envolvidos, tais como policiais militares, alunos, transeuntes, dentre outros”. POLÊMICA Especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo sobre o impasse entre a Secretaria da Segurança Pública e o juiz Luis Manuel Pires, da central de mandados do Tribunal de Justiça, se dividem sobre a legalidade das exigências do magistrado e o descumprimento da ordem judicial pela Secretaria da Segurança Pública. Para Luciano de Souza Godoy, professor da FGV-SP e ex-procurador do Estado, houve interferência do Poder Judiciário nas atribuições do Executivo. “É a polícia que tem a atribuição constitucional, a competência de dosar o tamanho da força que vai ser usada no cumprimento da ordem judicial. O secretário [de Segurança] está certo.” Godoy entende que “não cabe ao juiz administrar a forma como a polícia vai atuar para fazer o cumprimento da decisão”. Segundo ele, a posteriori, é possível ser apurado se a polícia agiu de forma abusiva ou não. “Eu nunca vi [um juiz ordenar a presença de um secretário de Estado]. O juiz determina a reintegração de posse, pode até fazer recomendações, mas a polícia tem uma competência constitucional para atuar. Acho complicado exigir a presença de uma figura que representa o primeiro escalão do Executivo”, conclui. Já André Ramos Tavares, professor de direito constitucional da PUC-SP e de direito econômico da USP, essa “é uma decisão que precisa ser cumprida, é legítima, a princípio. Não acho que exista violação de poderes”. Para Tavares, neste caso, a palavra final é do Judiciário. “O magistrado entende que aquela é a medida mais oportuna para aquele momento. Ele não está dizendo que a polícia não pode nunca usar armamento, não está interferindo na tática da polícia. É uma decisão para um caso concreto a partir de uma avaliação concreta.” Segundo Tavares, a Secretaria da Segurança Pública deveria recorrer da decisão do juiz, mas ele não a considera ilegal, como disse o Executivo. “Nessas situações, sempre existe um elemento técnico que não faz parte, supostamente, do arcabouço do juiz. Então, nesse caso, provavelmente a PM está dizendo que quem tem capacidade de averiguar as necessidades do momento é, de fato, a PM.” Tavares acha que é muito difícil prever, inclusive para a própria PM, qual é a medida da força que vai ser necessária numa situação de possível confronto. “Espera-se que a polícia tenha capacidade de saber quando usar armas ou não. Mas hoje temos um receio disso. Talvez o juiz tenha receio de que essa preparação exista”, disse.