LIGIA MESQUITA E LUIZA FRANCO, ENVIADAS ESPECIAIS
PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – Questionado se a poesia era a vida passada a limpo, o poeta Armando Freitas Filho, 76, arrancou aplausos e gritos da plateia na mesa inaugural da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), nesta quarta (29), ao citar o presidente interino Michel Temer.
“A minha poesia, eu a entendo como a que toca todas as coisas, inclusive as mais monstruosas. Que pode tocar um Temer, por exemplo”, declarou.
Freitas Filho, grande amigo da homenageada deste ano do festival, a poeta Ana Cristina Cesar (1952-1983), e guardião de sua obra, participou da abertura ao lado do fotógrafo e cineasta Walter Carvalho, 69. O diretor fez um longa sobre Freitas Filho chamado “Manter a Linha da Cordilheira sem o Desmaio da Planície”, filmado durante sete anos. O debate foi mediado pelo poeta Eucanaã Ferraz.
Amigo de Ana C. Durante 12 anos, até a sua morte, Freitas Filho relembrou a convivência com a poeta. “O que me impressionou logo que nos conhecemos foi a maneira intrigante com que ela, usando o termo em todos os sentidos, provocava você para falar, ouvir. Isso era forte. Não é à toa que nesses anos de profunda amizade, a gente brigou muito. Tudo era um problema para ser resolvido”, contou. “Verso livre, por exemplo, é livre ou não? Como pôr vírgulas?”
Ele, que leva vida discreta e não costuma viajar, abriu uma exceção para vir à Flip para falar de sua amiga. E brincou que até hoje conta quase tudo para ela.
Carvalho falou da relação entre poesia e o cinema. Disse que um verso de Freitas Filho foi o que o inspirou a fazer o filme com o autor, exibido logo após o debate.
“Li um poema que dizia ‘uma gaivota passa riscada a lápis’. Não sabia se estava diante de uma poesia ou de uma imagem. E esse verso me levou à ideia de fazer um filme sobre o Armando”, disse. “Na Paraíba, quando alguém faz algo interessante, dizem ‘ele é um poeta’. Nunca ouvi ninguém dizer é um cineasta.”
CRISE
A crise econômica e política pela qual o país passa não ficou de fora da abertura.
O curador da festa, Paulo Werneck, abriu a mesa inaugural com uma homenagem a profissionais da área de comunicação e de editoras atingidos por cortes.
“Este ano todo jornalista me pergunta da crise. A gente não pode esquecer que crise e crítica têm origem comum na língua grega. Isso faz a gente pensar que a crítica literária, a autocrítica, são bem-vindas, devem ser recebidas com cuidado, como objeto de reflexão”, declarou.
Sem citar nomes, fez referência indireta à editora Cosac Naify, que fechou as portas no final de 2015. “Temos aqui autores de editoras extintas e esse trabalho ficou por causa de profissionais muito sérios.”
Provavelmente se referia a Carvalho, que publicou livros pela editora.