Infelizmente os brasileiros vivem de costas voltadas para a América Latina. Nossas raízes e interesses de integração continental deveriam ter uma visão abrangente, onde a realidade latino- americana não fosse apenas uma ação contemplativa e divorciada dos verdadeiros fundamentos de vivência efetiva na convergência de interesses comuns. Há poucos dias, em um encontro com alguns amigos brasileiros e latino-americanos, pude constatar como somos iguais. Na aspiração de uma sociedade, onde os fundamentos da liberdade e construção de um mundo melhor, mais do que um desejo, é uma busca consciente, pelo fato de vivermos em uma sociedade nova, onde muito ainda está por ser feito.
Eram uruguaios verdadeiramente integrados com essa consciência crítica. Todos pesquisadores do corpo científico da Fiocruz. Notável entidade que, anonimamente, desenvolve estudos e pesquisas do maior valor e importância no combate as endemias que prolifera com velocidade absurda na vida dos brasileiros. Foi um encontro social de pessoas bem informadas e conhecedoras das realidades dramáticas que tem afetado, ao longo da história, a formação das diferentes nações latino- americanas. Lamentavelmente, os governos das várias nações da América Latina estão divorciados, alguns por interesses e outros por ignorância, da verdadeira vocação dos seus povos.

Na conversa com aqueles notáveis pesquisadores, nascidos no Uruguai, mas brasileiros levados pelo destino, tomei a liberdade de falar sobre o que foi a difícil travessia para recolocar aquele País na senda da democracia, após infame ditadura. Na época, exercendo mandato parlamentar, ao lado de vários políticos brasileiros, iríamos ter modesta presença na redemocratização uruguaia. O início foi o retorno e após longo exílio, do líder Wilson Ferreira Aldunate logo preso e levado a uma prisão em área distante de Montevidéu. A Câmara dos Deputados brasileira apoiou moção de nossa autoria para nos deslocarmos ao Uruguai e prestar solidariedade àquele homem público.

Na América Latina as ditaduras predominavam, destacadamente do Brasil, Uruguai e no Chile. Em Montevidéu, buscamos contatos com a direção dos partidos Blancos e o Colorado, que tinham existência de mais de 150 anos na vida política da nação. Banidos pelo governo ditatorial do general Gregório Álvarez. Na Argentina, com a eleição de Raúl Alfonsín, a ditadura havia sido defenestrada. Com o retorno à democracia de um dos mais importantes atores da América do Sul, começaria o processo de redemocratização do Uruguai. A pressão internacional levou, em agosto de 1984, à assinatura ao chamado Pacto do Clube Naval, que garantiu retorno democrático. Em outras visitas acompanhamos o processo eleitoral. Além dos dois históricos partidos, a Frente Ampla, liderada pelo general Líber Seregni, disputaria a eleição presidencial. O partido Colorado elegeria Julio María Sanguinetti, com 41% da votação, ficando os Blancos com 35% conferidos ao candidato Alberto Zumarán.

No Brasil, a redemocratização se concretizava em 1985, com a eleição de Tancredo Neves, infelizmente morto, herdando a presidência a inefável figura de José Sarney, velho servidor da ordem autoritária. Ainda restava uma terrível ditadura no continente comandada pelo general Augusto Pinochet, no Chile. Em 1988, a social democracia europeia e setores da democracia cristã, representada pelo ex-ministro de Relações Exteriores dos governos, Eduardo Frei e Salvador Allende, Gabriel Valdés, promoveram no Hotel Sheraton, em Santiago, encontro internacional, com representantes de 42 países. Nele aprovou-se os princípios que, pressionado pela opinião pública mundial, levaria Pinochet à convocação do plebiscito a que ele acreditava que venceria. Estivemos presente integrando a delegação brasileira, constituída por seis membros. Por absoluta maioria o povo chileno votou em favor de eleições gerais. Somente realizada meses depois, sendo vencedor na chamada plataforma da Concertación, o democrata cristão Patricio Aylwin.

Infelizmente, em 2016, o parlamento brasileiro deixou de ter participação e vivência nas questões internacionais que envolvem a América Latina. Em outros tempos, mesmo numa conjuntura adversa em função de governos ditatoriais, a solidariedade brasileira de alguns dos seus homens públicos, sempre se fez presente na realidade política latino-americana. Atestado objetivamente pelos fatos relatados e relembrados naquela noite agradável com os amigos uruguaios.

Helio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira