É muito difícil traçar um perfil preciso ou mesmo analisar profundamente o comportamento do atacante brasileiro Neymar. Ele divide opiniões e causa diferentes sensações nas pessoas que cativa. Amor e ódio, respeito e desprezo, admiração e ojeriza. Tudo junto ou separado, um primeiro outro depois.

Pra início de conversa, quase tudo que falamos ou pensamos sobre ele está errado. Ninguém tem a vivência ou fundamentos necessários para uma análise definitiva e imparcial para ele e suas atitudes. Nem eu, nem você e nem 0,5% dos brasileiros viveu o que ele viveu nos últimos dez anos, seja no campo pessoal, familiar ou profissional.

Mesmo que alguém tenha vivido algo semelhante, não foi igual. Neymar não surgiu do nada, como broto de uma mesma árvore que seu vizinho ou seu companheiro de categoria de base na Vila Belmiro. Cada história de vida é como uma impressão digital. Ela é particular, individual. Ninguém pode viver a história do outro e, por conseguinte, saber o que o outro sente.

Como alguém pode se julgar capaz ou ter pretensão de julgar as atitudes de Neymar pela sua própria régua de moralidade? Tá tudo errado. Fazemos isso porque não sabemos lidar com o sucesso ou fracasso de outros, especialmente quando eles respigam em nós mesmos pela franca exposição de suas vidas na TV.

Que o piá é craque de bola, ninguém tem dúvida. Se tem, é por pura má vontade. Os resultados, títulos e apresentações do Neymar são suficientes para embasar sua defesa como jogador de futebol.

Agora por que diabos o Neymar precisa ser mais que um craque? Exigimos (a sociedade brasileira) dele, desde os primeiros chutes como profissional, que ele seja um baluarte da moralidade, craque de bola, bom pai, ótimo marido, exemplo de patriotismo, pagodeiro de primeira e amante latino. Se acontece qualquer pisada fora da linha, pau no Neymar.

Para piorar e carrega o peso da obrigação que lhe impusemos de ser melhor ou no mínimo igual ao Pelé. Se o Brasil perde, culpa dele. Se ganha, só ganhou graças ao coletivo, afinal ninguém é melhor do que ninguém (menos o Weverton, que afinal garantiu o ouro sozinho, né?).

Aí, com a medalha no peito, que era sua obrigação, ele vai aos microfones e desabafa: Vocês vão ter que me engolir. Pronto, tá feita a cagada.

Os brasileiros, reis da moral, aqueles que acham que ele precisa ser um Deus dentro e fora de campo – é o mínimo pelo salário que ganha — ficaram magoadinhos.

Aí vão lá, um dia depois, durante seu descanso e fora do contexto do jogo – na plateia da final do vôlei masculino – ofendem e atazanam o piá. Neymar contra-ataca com outro xingamento, alguém filma e a nação dos hipócritas fica horrorizada com o comportamento do jogador. Criaram um monstro, pensam. Seria ele mesmo o mostro? Será que não somos nós o problema?

Comparam Neymar e sua fala pós medalha a de outros medalhistas olímpicos. Abnegados e vencedores, com histórias lindas de sofrimento, superação e conquistas (muitas semelhantes a de Neymar), mas que jamais conviveram com a pressão que é ser jogador de futebol na terra de Pelé. A cobrança é infinitamente menor e diferente. É constrangedor tentar transformar isso em verdade absoluta.

Exigimos um ídolo perfeito, mas não somos capazes de olhar para nossos próprios defeitos. Reclamamos a vida toda da falta de ídolos, mas quando achamos alguém com potencial para tal, preferimos transformá-lo num monstro raivoso que foi forjado pela nossa própria intolerância e hipocrisia.

Eduardo Luiz Klisiewicz é curitibano, jornalista, radialista e empresário.